21 de mai. de 2010

Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento


S. P: Quem sou eu?

B.H: O verdadeiro Eu ou Si não é o corpo, ou nenhum dos cinco sentidos, nem qualquer dos órgãos de ação, nem o prana (respiração ou força vital), nem a mente, nem mesmo o estado de profunda sonolência em que não se tem consciência de tais coisas.

S. P: Se não sou nada disso, que mais serei eu?

B.H: Após chegar a cada um destes itens e dizer “isto eu não sou”, aquilo que restar é o Eu, e isso é Consciência.

S. P: Qual é a natureza dessa Consciência?

B.H: É Sat-Chit-Ananda (Ser Consciência-Bem-aventurança) em que não existe o mais leve indício do pensamento-Eu. Chama-se também Mouna (Silêncio) ou Atma (Si). Isto é a única coisa que existe. Se a trindade mundo, ego e Deus for considerada como entidades separadas, tudo será mera ilusão como o aparecimento da prata na madrepérola. Deus, ego e mundo são na realidade Sivaswarupa (a forma de Xiva) ou Atmaswarupa (a forma do Espírito).

S. P: Como poderíamos nós compreender esse Real?

B.H: Quando as coisas vistas desaparecem, a verdadeira natureza daquele que vê, ou sujeito, aparece.

S. P: Não será possível compreender isso ao mesmo tempo em que ainda se vêem as coisas externas?

B.H: Não, porque o vedor e a coisa vista são como a corda e a aparência de serpente nela contida. Até que a gente se tenha livrado da aparência de serpente não poderá ver que aquilo que existe é apenas a corda.

S. P: Quando desaparecerão os objetos externos?

B.H: Se a mente, que é a causa de todos os pensamentos e atividades, desaparece, os objetos externos desaparecerão também.

S.P: Qual é a natureza da mente?

B.H: A mente é apenas pensamentos. É uma forma de energia. Manifesta-se como o mundo. Quando a mente mergulha no Si, então o Si é compreendido; quando a mente faz uma sortida o mundo aparece e o Si não é compreendido.

S. P: Como irá a mente desaparecer?

B.H: Apenas através da investigação “Quem sou eu!”. Embora tal investigação também seja uma operação mental, ela destrói todas as operações mentais, incluindo-se a si mesma, assim como o pau com que se remexe a pira funerária resulta ele próprio reduzido a cinzas depois que a pira e os cadáveres arderam. Só então vem a compreensão do Si. O pensamento do Eu é destruído, a respiração e os demais indícios de vitalidade diminuem. O ego e o prana (respiração ou força vital) tem uma fonte comum. Faça aquilo que fizer, faça-o sem egoísmo, isto é, sem o sentimento de “estou fazendo isto”. Quando um homem chega a tal estado até mesmo sua mulher lhe aparecerá como a Mãe Universal. A verdadeira Bhakti (Devoção) é a rendição do ego ao Eu.

S. P: Não há outros meios de destruir a mente?

B.H: Não há outro método adequado senão a Auto-investigação. Se a mente for sopitada por outros meios ficará quieta durante algum tempo e depois ressurgirá, reassumindo sua antiga atividade.

S. P: Mas quando serão todos os instintos e tendências (vasanas), como o de conservação, esmagado?

B.H: Quanto mais a gente se recolhe dentro do Si tanto mais tais tendências murcham, até finalmente desaparecerem.

S. P: Será mesmo possível eliminar essas tendências que encharcam nossas mentes através de tantas gerações sucessivas?

B.H: Jamais concedas lugar em tua mente a tais dúvidas, mas mergulha no Si com firme resolução. Se a mente for constantemente orientada no sentido do Si por essa investigação, ela será eventualmente dissolvida e transformada no Si.

Ao sentires alguma dúvida não busques elucidá-la mas antes procura saber quem aquela pessoa a quem a dúvida ocorre.

S. P: Durante quanto tempo se deve proceder a essa investigação?

B.H: Enquanto houver em tua mente o mais leve traço capaz de provocar pensamentos. Enquanto o inimigo estiver ocupando a cidadela não cessará de fazer sortidas. Se matares cada um que se apresentar, a cidadela por fim cairá em tuas mãos. Analogamente, cada vez que um pensamente erguer a cabeça esmaga-o com essa investigação. Esmagar todos os pensamentos no nascedouro chama-se vairajya (desapego). Assim, vichara (Auto-investigação) continua sendo
necessária até que o Si seja compreendido. O que se requer é uma contínua e ininterrupta lembrança do Eu.

S. P: Não é este mundo e o que ali acontece o resultado da vontade de Deus? Se é assim por que haveria Deus de desejar assim?

B.H: Deus não tem propósitos. Ele não está preso a qualquer ação. As atividades mundanas não podem afetá-lo. Toma por exemplo, a analogia do sol. O sol se ergue sem desejo, propósito ou esforço, mas, tão logo se ergue, numerosas atividades têm lugar na terra: a lente colocada sobre seus raios produz fogo, os botões de lótus se abrem, a água evapora e toda criatura viva entra em atividade, conserva-a e por fim a abandona. Mas o sol não se deixa afetar por tais atividades, pois simplesmente atua segundo a sua própria natureza, de acordo com leis fixas sem qualquer finalidade e não passa de uma testemunha. Assim também acontece com Deus. Deus não tem qualquer desejo ou propósito em seus atos de criação, manutenção, destruição, retirada e salvação a que os seres estão sujeitos. Á medida que os seres colhem os frutos de suas ações em obediência às Suas leis, a responsabilidade é deles e não de Deus. Deus não está preso a
quaisquer ações.

Ramana Maharshi e o caminho do auto-conhecimento

15 de mai. de 2010

Você está além do espaço e do tempo

Pergunta: Você continua dizendo que eu nunca nasci e que nunca morrerei. Se é assim, como é que vejo o mundo como alguém que nasceu e que, certamente, morrerá.

Maharaj: Você acredita desse modo porque você nunca questionou sua crença de que você é o corpo, o qual, obviamente, nasce e morre. Enquanto vivo, atrai a atenção e o fascina tão completamente que raramente alguém percebe sua verdadeira natureza. É como ver a superfície do oceano e esquecer completamente a imensidade mais abaixo. O mundo é só a superfície da mente e a mente é infinita. O que chamamos pensamento são apenas ondulações da mente. Quando a mente está serena, reflete a realidade. Quando ela está imóvel em toda sua extensão, ela se dissolve e apenas a realidade permanece. Esta realidade é tão concreta, tão real, tão mais tangível que a mente e a matéria que, comparado com ela, mesmo o diamante é suave como manteiga. Esta impressionante realidade torna o mundo irreal, nebuloso, irrelevante.

P: Com tanto sofrimento no mundo, como pode vê-lo como irrelevante¿ Que frieza!

M: É você quem é insensível, não eu. Se seu mundo é tão cheio de sofrimento faça algo a respeito, não acrescente mais a ele através da ambição e da indolência. Eu não estou limitado por seu mundo ilusório. Em meu mundo, as sementes do sofrimento, do desejo e do temor não são semeadas, e o sofrimento não cresce. Meu mundo está livre dos opostos, de discrepâncias mutuamente destrutivas; prevalece a harmonia; sua paz é como uma rocha; esta paz e o silêncio são o meu corpo.

P: O que você diz lembra-me o dharmakaya de Buda.

M: Pode ser. Não precisamos afastarmos pela terminologia. Simplesmente veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo que percebe dentro de sua mente, e olhe de fora para a mente, a qual você não é. Depois de tudo, seu único problema é a ansiosa auto-identificação com qualquer coisa que perceba. Abandone este hábito, lembre que você não é o que percebe, utilize o seu poder de distanciamento alerta. Veja-se em tudo quanto vive e seu comportamento expressará sua visão. Uma vez que compreenda que não há nada neste mundo que possa ter por próprio, você olha o mundo de fora como olha para uma peça em um palco, ou uma imagem na tela, admirando e apreciando, mas realmente impassível. Enquanto você imagina ser algo tangível e sólido, uma coisa entre coisas, existindo realmente no tempo e no espaço, de breve duração e vulnerável, naturalmente estará ansioso para sobreviver e crescer. Mas quando se conhece como além do tempo e do espaço em contato com eles apenas no ponto do aqui e agora; de qualquer forma todo-penetrante e todo-abarcante, inacessível, inalcançável, invulnerável não terá mais medo algum. Conheça-se tal como é contra o medo não há outro remédio.
Você tem que aprender a pensar e sentir desse modo, ou permanecerá indefinidamente no nível pessoal do desejo e do temor, ganhando e perdendo, crescendo e decaindo. Um problema pessoal não pode ser resolvido em seu próprio nível. O próprio desejo de viver é o mensageiro da morte, da mesma forma que o desejo de ser feliz é a essência da aflição. O mundo é um oceano de dor e de medo, de ansiedade e desespero. Os prazeres são como os peixes, poucos e ligeiros, chegam raramente e depressa se vão. Um homem de pouca inteligência acredita contra a evidência, que é uma exceção e que o mundo lhe deve felicidade. Mas o mundo não pode dar o que não tem; irreal até a medula, é de nenhuma utilidade para a felicidade real. Não pode ser de outra forma. Buscamos o real porque estamos infelizes como o irreal. A felicidade é nossa própria natureza e não descansaremos até que a encontremos. Mas raramente sabemos onde buscá-la. Uma vez que tenha entendido que o mundo é apenas uma visão errada da realidade, e não é o que parece ser, você é livre de suas obsessões. Apenas o que é compatível com seu ser real pode fazê-lo feliz e o mundo, como você o percebe, é sua clara negação.
Mantenha-se tranqüilo e observe o que chega à superfície da mente. Rejeite o conhecido, dê as boas vindas ao até agora desconhecido e rejeite-o em seu devido tempo. Assim você chega a um estado em que não há conhecimento, apenas ser, e o próprio ser é o conhecimento. O conhecimento mediante o ser é o conhecimento direto. Está baseado na identidade do que vê e do visto. O conhecimento indireto é baseado na sensação e na memória, na proximidade do que percebe e sua percepção, confinado ao contraste entre os dois. O mesmo acontece com a felicidade. Geralmente você deve estar triste para conhecer a alegria, e alegre para conhecer a tristeza. A verdadeira felicidade não tem causa e não pode desaparecer por falta de estimulação. Não é o oposto da aflição e inclui toda aflição e todo sofrimento.

P: Como pode alguém permanecer feliz entre tanto sofrimento?

M: Não se pode evitar, a felicidade é irresistivelmente real. Como o sol no céu, suas expressões pode estar nubladas, mas nunca está ausente.

P: Quando temos problema, somos obrigados a sentir-nos desgraçados.

M: O único problema é o temor. Saiba que é independente e permanecerá livre do temor e de suas sombras.

P: Qual a diferença entre felicidade e prazer?

M: O prazer depende das coisas, a felicidade não.

P: Se a felicidade é independente, porque não estamos sempre felizes?

M: Enquanto acreditarmos que necessitamos coisas para fazer-nos felizes, também devemos acreditar que, na ausência delas, delas devemos ser miseráveis. A mente sempre se desenvolve de acordo com suas crenças. Daí a importância de convencer-se de que não é necessário ser incitado para a felicidade; que, ao contrário, o prazer é uma distração e uma perturbação, pois que meramente aumenta a falsa convicção de que se necessita ter e fazer coisas para ser feliz, quando na realidade é exatamente o oposto.
Mas porque falar de felicidade em absoluto? Você não pensa nela exceto quando está infeliz. Um homem que diz: “agora sou feliz”, está entre duas aflições, passado e futuro. Esta felicidade é uma mera excitação causada pelo alívio da dor. A felicidade real é absolutamente consciente de si mesma. Isto é melhor expresso negativamente como: “não há nada errado comigo; não tenho nada a preocupar-me”. No final das contas, o propósito final de todo sadhana é alcançar um ponto onde esta convicção em vez de ser apenas verbal, esteja baseada em uma experiência real e sempre presente.

P: Que experiência?

M: A experiência de estar vazio, sem estar acossado pelas recordações e pelas experiências; é como a felicidade dos espaços abertos, de ser jovem, de ter toda a energia e tempo para fazer coisas, para descobrir, para a aventura.

P: O que fica por descobrir?

M: O universo exterior e a imensidade interior tal como são na realidade, na grande mente e no coração de Deus. O significado e o propósito da existência, o segredo do sofrimento, da vida redimida da ignorância.

P: Se ser feliz é o mesmo que estar livre do temor e da preocupação, não se pode dizer que a ausência de problemas é a causa da felicidade?

M: Um estado de ausência, de inexistência, não pode ser uma causa; a preexistência de uma causa está implícita em sua noção. Seu estado natural, no qual nada existe, não pode ser uma causa do vir-a-ser; as causas estão ocultas no grande poder misterioso da memória. Mas o seu verdadeiro lar está no nada, no vazio de todo conteúdo.

P: O vazio e o nada, que apavorante!

M: Sua face está mais alegre quando você vai dormir! Descubra por você mesmo o estado de sono vigilante, e você o achará em total harmonia com sua natureza real. As palavras apenas podem lhe dar uma idéia, e a idéia não é a experiência. Tudo o que posso dizer é que a verdadeira felicidade não tem causa e o que não tem causa é impassível. O que não quer dizer que seja perceptível, como o prazer. O que é perceptível é a dor e o prazer; o estado de liberdade da aflição só pode ser descrito negativamente. Para conhecê-lo diretamente, você deve ir além da mente aplicada à causalidade e à tirania do tempo.

P: Se a felicidade não é consciente e a consciência não é feliz, qual é a conexão entre a duas?

M: A consciência, sendo um produto das condições e das circunstâncias, depende delas e muda com elas. O que é independente, incriado, eterno e imutável, e ainda assim sempre novo e fresco, está além da mente. Quando a mente pensa nele, ela se dissolve e só a felicidade permanece.

P: Quando tudo desaparece, nada fica.

M: Como pode haver nada sem alguma coisa¿ O nada é só uma idéia, depende da recordação de algo. O puro ser é independente da existência, a qual é definível e descritível.

P: Por favor, fale-nos: a consciência continua além da mente, ou ela termina com a mente?

M: A consciência vai e vem, a Consciência brilha imutavelmente.

P: O que é consciente na Consciência?

M: Quando há uma pessoa, também há consciência. O “eu sou”, a mente, a consciência denotam o mesmo estado, se você diz “eu sou consciente”, só significa: “eu sou consciente de pensar no fato de ser consciente”. Na Consciência não há “eu sou”.

P: O que me diz sobre o testemunhar?

M: Testemunhar é da mente. A testemunha combina com o testemunhado. No estado de não-dualidade toda separação cessa.

P: E você? Continua na Consciência?

M: A pessoa, o “eu sou este corpo, esta mente, esta cadeia de recordações, este punhado de desejos e temores” desaparece, mas fica algo que você pode chamar identidade. Ele me habilita a tornar-me uma pessoa quando necessário. O amor cria suas próprias necessidades, mesmo tornar-se uma pessoa.

P: É dito que a realidade se manifesta como existência, consciência e bem-aventurança. Elas são absolutas ou relativas?

M: São relativas entre si e dependem uma da outra. A realidade é independente de suas expressões.

P: Qual é a relação entre a realidade e suas expressões?

M: Nenhuma relação. Na realidade tudo é real e idêntico. Como nós dizemos, saguna e nirguna são um só um parabrahman. Só existe o supremo. Em movimento, é saguna; imóvel, é nirguna. Mas é apenas a mente que se move ou não. O real está além, você está além. Uma vez que tenha entendido que nada perceptível, ou concebível, pode ser você mesmo, você é livre de sua imaginação. Ver tudo como imaginação nascida do desejo é algo necessário para a auto-realização. Nós perdemos o real por falta de atenção, e criamos o irreal pelo excesso de imaginação.
Você deve entregar seu coração e sua mente para essas coisas e remoê-las repetidamente. É como cozinhar alimentos. Deve mantê-los no fogo durante algum tempo antes que estejam prontos.

P: Não estou sob o influxo do destino, do meu karma¿ Que posso fazer contra ele? O que sou e o que faço estão pré-determinados. Mesmo minha assim chamada “livre escolha” é pré-determinada; apenas não estou consciente disso e imagino-me livre.

M: Novamente, tudo depende de como olhar. A ignorância é como uma febre, ela o faz ver coisas que não existem. O karma é o tratamento prescrito pelo divino. Dê a ele boas vindas e siga as instruções fielmente e você se curará. O paciente deixará o hospital depois de recuperar-se. Insistir na imediata liberdade de escolha e de ação meramente adia a recuperação. Aceite seu destino e complete-o; este é o mais curto caminho para a libertar-se do destino, embora não do amor e de suas compulsões. Atuar a partir do desejo e do temor é escravidão, atuar a partir do amor é liberdade.


Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj – cap. 94 - Ed. Advaita

1 de ago. de 2009

Abandone tudo e você ganha tudo

Pergunta: Qual é seu estado no momento presente?

Maharaj: Um estado de não-experimentação. Nele toda experiência está incluída.

P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e compartilhar sua experiência?

M: Não. Tais coisas requerem treinamento especial. Sou como um comerciante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Posso mesmo não conhecer o gosto de um papa de trigo. Mas sobre o grão de trigo sei tudo e o sei bem. Eu conheço a fonte de toda experiência. Mas as inumeráveis formas particulares que a experiência pode tomar eu não conheço. Nem tenho necessidade de conhecer. De momento a momento o pouco que necessito saber para viver minha vida, de algum modo, acontece que o sei.

P: Sua particular existência e minha existência particular, existem ambas na mente de Brahma?

M: O universal não é consciente do particular. A existência como uma pessoa é um assunto pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, início e fim; o universal inclui todas as pessoas e o absoluto é a raiz de tudo e está além de tudo.

P: Não estou interessado na totalidade. Minha consciência pessoal e sua consciência pessoal qual elo entre as duas?

M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores?

P: Podem sonhar um com o outro.

M: Isto é o que as pessoas estão fazendo. Todos imaginam os ‘outros’ e buscam ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro.

P: Seguramente deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos.

M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que o mundo é independente de sua mente. Como pode sê-lo. Seu desejo de conhecer a mente de outras pessoas deve-se ao desconhecimento de sua própria mente. Em primeiro lugar conheça sua própria mente e descobrirá que a questão de outras mentes não surgirá de forma alguma porque não existem outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Ser é consciência; ‘eu sou’ aplica-se a todos.

P: A realidade suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas qual a utilidade para nós.

M: Você é como um homem que diz: ‘Necessito de um lugar onde guardar minhas coisas, mas qual a utilidade do espaço para mim?’ ou ‘Preciso de leite, chá, café ou soda, mas para água não tenho nenhuma aplicação. Você não vê que a suprema realidade é a que faz tudo possível? Mas se você pergunta qual a utilidade que tem para você, devo responder: ‘Nenhuma’. Nos assuntos da vida cotidiana o conhecedor do real não tem vantagem alguma: Pode ser mesmo uma desvantagem. Estando livre de desejo e temor, não se protege. A própria idéia de proveito é estranha a ele; detesta acumulação; sua vida é constante despojar-se, compartilhar, dar.

P: Se não há nenhuma vantagem em ganhar o supremo, porque dar-se ao transtorno?

M: Há transtorno apenas quando você se apega a algo. Quando você não se apega a nada, não surge nenhum transtorno. O abandono do menor é a obtenção do maior. Abandone tudo e você ganha tudo. Então a vida se torna o que ela devia ser: pura radiação de uma fonte inesgotável. Nessa luz, o mundo aparece de modo turvo como um sonho.

P: Se meu mundo é meramente um sonho e você é uma parte dele, o que você pode fazer por mim? Se o sonho não é real, se não tem ser nenhum, como pode a realidade afetá-lo?

M: Enquanto dura o sonho tem um ser temporário. É seu desejo de apegar-se a ele que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu.

P: Você pode admitir como certo que pode haver um sonho sem um sonhador e que me identifico como o sonho de minha própria doce vontade. Mas sou sonhador e também o sonho. Quem vai deixar de sonhar?

M:
Deixe que o sonho se desdobre até seu próprio fim. Você não pode concertá-lo. Mas você pode ver o sonho como um sonho, negar-lhe o selo de realidade.

P: Estou aqui, sentado diante de você. Estou sonhando e você está observando-me falar de meu sonho. Qual a ligação entre nós?

M: Minha intenção de acordá-lo é a ligação. Meu coração quer que você desperte. Vejo o sofrer em seu sonho e sei que você deve despertar para acabar com suas angustias. Quando você vê seu sonho como sonho, você desperta. Não estou interessado em seu próprio sonho. É suficiente pra mim saber que você deve despertar. Não precisa levar seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou belo: tudo que você necessita é compreender que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a aflição do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidade do espaço flutua o minúsculo átomo de consciência e nele o universo inteiro está contido.

Eu Sou Aquilo - Conversações com Nisargadatta Maharaj

27 de jul. de 2009

A Experiência Psicodélica

Seguindo o modelo tibetano, distinguimos três fases da experiência psicodélica. O primeiro período (Chikhai Bardo) é o da transcendência completa – além das palavras, além do espaço-tempo, além do self. Não há visões, nem sentido do self, nem pensamentos. Há apenas consciência pura e liberdade extasiante de quaisquer envolvimentos com jogos (e biológicos).
[“Jogos” são seqüências comportamentais definidas por papeis, regras, rituais, objetivos, estratégias, valores, linguagem, lugares característicos no espaço-tempo e padrões característicos de movimento. Qualquer comportamento que não tenha estes nove fatores é um não-jogo: isto inclui reflexos fisiológicos, ações espontâneas, e consciência transcendente.]

O segundo grande período envolve o self, ou jogo realidade exterior (Chonyid Bardo) – numa claridade aguda ou na forma de alucinações (aparições cármicas). O período final (Sidpa Bardo) envolve o retorno ao jogo realidade rotineiro e ao self. Para a maioria das pessoas o segundo estágio (estético ou alucinatório) é o mais longo. Para os iniciados, o primeiro estágio de iluminação dura mais. Para os despreparados, os heavy game players[3], aqueles que se agarram angustiadamente a seus egos, e para aqueles que tomam a droga num cenário não-apropriado, a luta para voltar à realidade começa cedo e normalmente dura até o fim da sessão.(...)

Eis uma lista das sensações físicas comumente relatadas: 1. Pressão corporal, que os tibetanos chamam de terra-se-desfazendo-em-água; 2. Frio úmido, seguido por calor febril, o que os tibetanos chamam de água-se-desfazendo-em-fogo; 3. Desintegração do corpo ou a sua dispersão em átomos, chamada fogo-se-desfazendo-em-ar; 4. Pressão na cabeça e nos ouvidos, que os americanos chamam de foguete-sendo-lançado-ao-espaço; 5. Formigamento nas extremidades; 6. Sensação de como se o corpo estivesse derretendo ou escorrendo como cera; 7. Náusea; 8. Tremor, começando na região pélvica e se espalhando para o tronco.
As reações físicas devem ser reconhecidas como sinais indicativos da transcendência. Evite tratá-las como sintomas de doença, aceite-as, una-se a elas, aproveite-as.


A Experiência Psicodélica - Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos - Timothy Leary


24 de jul. de 2009

Uma Estranha Realidade

“Meu benfeitor dizia que, quando um homem toma os caminhos da feitiçaria, torna-se consciente, aos poucos, de que a vida comum ficou para trás; que o conhecimento é na verdade uma coisa assustadora; que os meios do mundo comum não são mais um escudo para ele; e que tem de adotar um novo modo de vida, para poder sobreviver. A primeira coisa que ele deve fazer, nesse ponto, é desejar tornar-se um guerreiro, um passo e uma decisão muito importantes. A natureza assustadora do conhecimento não nos deixa nenhuma alternativa se não tornarmos um guerreiro.

“Quando o conhecimento se torna uma coisa assustadora, o homem também compreende que a morte é o companheiro insubstituível, que se senta ao lado dele na esteira. Cada pouquinho de conhecimento que se torna poder tem a morte como sua força central. A morte dá o último toque, e o que for tocado pela morte torna-se realmente poder.

“Um homem que segue os caminhos da feitiçaria se defronta com uma aniquilação iminente a cada passo do caminho, e é inevitável que tome fortemente consciência de sua morte. Sem a consciência da morte, ele seria apenas um homem comum, praticando atos comuns. Não teria a necessária potência, a necessária concentração que transforma o tempo comum da pessoa na Terra num poder mágico.

“Assim, para ser um guerreiro o homem tem de estar, antes de tudo, e propriamente, muito consciente de sua própria morte. Mas a preocupação com a morte levaria qualquer um de nós a focalizar a atenção em si e isso seria debilitante. Portanto, a segunda coisa de que se precisa para ser um guerreiro é o desprendimento. A idéia da morte iminente, em vez de se tornar uma obsessão, torna-se uma indiferença.” (...)

- Agora você precisa desprender-se – disse ele.
- Do quê?
- Desprender-se de tudo.
- Isso é impossível. Não quero virar ermitão.
- Ser um ermitão é uma indulgência e eu não quis dizer isso. Um ermitão não é desprendido, pois se entrega propositalmente a ser um ermitão.
- Somente a idéia da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Um homem assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiar, tudo de todas as coisas.

“Um homem desprendido, que sabe que não tem possibilidade de evitar sua morte, só tem uma coisa em que se apoiar: o poder de suas decisões. Ele tem de ser, por assim dizer, o senhor de suas opções. Deve compreender plenamente que sua opção é sua responsabilidade, e, uma vez feita, não há mais tempo para remorsos ou recriminações. Suas decisões são finais, simplesmente porque sua morte não lhes permite tempo para se agarrar a nada.

E assim, com a consciência de sua morte, com seu desprendimento e com o poder de suas decisões, um guerreiro organiza sua vida de maneira estratégica. O conhecimento de sua morte o orienta e o torna desprendido e secretamente sensual; o poder de suas decisões finais o torna capaz de escolher sem remorsos, e que ele escolhe é sempre estrategicamente o melhor; e assim ele executa tudo aquilo de que precisa com vontade e uma eficiência sensual.

Quando um homem procede dessa maneira, pode-se dizer com segurança que ele é um guerreiro e adquiriu a paciência.” (...)

- Quando um guerreiro consegue a paciência, está a caminho da vontade. Sabe esperar. Sua morte senta-se com ele em sua esteira, eles são amigos. Sua morte o aconselha, de maneira misteriosa, a optar, a viver estrategicamente. E o guerreiro espera! Eu diria que o guerreiro aprende sem pressa alguma porque ele sabe que está esperando sua vontade; e um dia consegue realizar alguma coisa que normalmente impossível. Pode nem notar seu feito extraordinário. Mas, à medida que continuar a realizar coisas impossíveis, ou coisas impossíveis lhe forem acontecendo, ele percebe que uma espécie de poder está surgindo. Um poder que emana de seu corpo enquanto ele progride no caminho do conhecimento.

Uma Estranha Realidade - Carlos Castaneda