1 de ago. de 2009

Abandone tudo e você ganha tudo

Pergunta: Qual é seu estado no momento presente?

Maharaj: Um estado de não-experimentação. Nele toda experiência está incluída.

P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e compartilhar sua experiência?

M: Não. Tais coisas requerem treinamento especial. Sou como um comerciante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Posso mesmo não conhecer o gosto de um papa de trigo. Mas sobre o grão de trigo sei tudo e o sei bem. Eu conheço a fonte de toda experiência. Mas as inumeráveis formas particulares que a experiência pode tomar eu não conheço. Nem tenho necessidade de conhecer. De momento a momento o pouco que necessito saber para viver minha vida, de algum modo, acontece que o sei.

P: Sua particular existência e minha existência particular, existem ambas na mente de Brahma?

M: O universal não é consciente do particular. A existência como uma pessoa é um assunto pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, início e fim; o universal inclui todas as pessoas e o absoluto é a raiz de tudo e está além de tudo.

P: Não estou interessado na totalidade. Minha consciência pessoal e sua consciência pessoal qual elo entre as duas?

M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores?

P: Podem sonhar um com o outro.

M: Isto é o que as pessoas estão fazendo. Todos imaginam os ‘outros’ e buscam ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro.

P: Seguramente deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos.

M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que o mundo é independente de sua mente. Como pode sê-lo. Seu desejo de conhecer a mente de outras pessoas deve-se ao desconhecimento de sua própria mente. Em primeiro lugar conheça sua própria mente e descobrirá que a questão de outras mentes não surgirá de forma alguma porque não existem outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Ser é consciência; ‘eu sou’ aplica-se a todos.

P: A realidade suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas qual a utilidade para nós.

M: Você é como um homem que diz: ‘Necessito de um lugar onde guardar minhas coisas, mas qual a utilidade do espaço para mim?’ ou ‘Preciso de leite, chá, café ou soda, mas para água não tenho nenhuma aplicação. Você não vê que a suprema realidade é a que faz tudo possível? Mas se você pergunta qual a utilidade que tem para você, devo responder: ‘Nenhuma’. Nos assuntos da vida cotidiana o conhecedor do real não tem vantagem alguma: Pode ser mesmo uma desvantagem. Estando livre de desejo e temor, não se protege. A própria idéia de proveito é estranha a ele; detesta acumulação; sua vida é constante despojar-se, compartilhar, dar.

P: Se não há nenhuma vantagem em ganhar o supremo, porque dar-se ao transtorno?

M: Há transtorno apenas quando você se apega a algo. Quando você não se apega a nada, não surge nenhum transtorno. O abandono do menor é a obtenção do maior. Abandone tudo e você ganha tudo. Então a vida se torna o que ela devia ser: pura radiação de uma fonte inesgotável. Nessa luz, o mundo aparece de modo turvo como um sonho.

P: Se meu mundo é meramente um sonho e você é uma parte dele, o que você pode fazer por mim? Se o sonho não é real, se não tem ser nenhum, como pode a realidade afetá-lo?

M: Enquanto dura o sonho tem um ser temporário. É seu desejo de apegar-se a ele que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu.

P: Você pode admitir como certo que pode haver um sonho sem um sonhador e que me identifico como o sonho de minha própria doce vontade. Mas sou sonhador e também o sonho. Quem vai deixar de sonhar?

M:
Deixe que o sonho se desdobre até seu próprio fim. Você não pode concertá-lo. Mas você pode ver o sonho como um sonho, negar-lhe o selo de realidade.

P: Estou aqui, sentado diante de você. Estou sonhando e você está observando-me falar de meu sonho. Qual a ligação entre nós?

M: Minha intenção de acordá-lo é a ligação. Meu coração quer que você desperte. Vejo o sofrer em seu sonho e sei que você deve despertar para acabar com suas angustias. Quando você vê seu sonho como sonho, você desperta. Não estou interessado em seu próprio sonho. É suficiente pra mim saber que você deve despertar. Não precisa levar seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou belo: tudo que você necessita é compreender que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a aflição do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidade do espaço flutua o minúsculo átomo de consciência e nele o universo inteiro está contido.

Eu Sou Aquilo - Conversações com Nisargadatta Maharaj