2 de jan. de 2009

Silêncio Interior

Dom Juan dizia que o silêncio interior era o estado buscado com maior avidez pelos xamãs do antigo México. Ele o definia como um estado natural da percepção humana, no qual os pensamentos são bloqueados e todas as faculdades do homem operam de um nível de consciência que não requer a utilização do nosso sistema cognitívo diário.

Para os xamãs da linhagem de Dom Juan, o silêncio interior sempre tem sido associado à escuridão, talvez porque a percepção humana, privada do seu companheiro habitual, o diálogo interno, caia em algo que se assemelha a um buraco escuro. Ele dizia que o corpo funciona normalmente, mas a percepção se torna mais aguda. As decisões são instantâneas e parecem provir de um tipo especial de conhecimento que é destituído de verbalizações mentais.
De acordo com Dom Juan, a percepção humana, funcionando em condição de silêncio interior, é capaz de atingir níveis indescritíveis. Alguns daqueles níveis de percepção são mundos em si e de modo algum são como os mundos alcançados através do sonhar. Eles são indescritíveis e inexplicáveis em termos dos paradígmas lineares que o estado habitual da percepção humana emprega para explicar o universo.

No entendimento de Dom Juan, o silêncio interior é a matriz para um passo gigantesco de evolução: o conhecimento silencioso ou o nível da consciência humana no qual o saber é automático e instantâneo. Nesse nível o conhecimento não é produto da cogitação cerebral, da indução e da dedução lógica ou de generalizações baseadas em semelhanças e diferenças. No nível do conhecimento silencioso não existe nada a priori, é iminentemente agora. Peças complexas de informação poderiam ser captadas sem quaisquer preliminares cognitivas.

Dom Juan acreditava que o conhecimento silencioso era insinuado para o homem primitivo, mas que o homem primitivo não era realmente o possuidor do conhecimento silencioso. Tal insinuação era infinitamente mais forte do que a que o homem moderno experimenta, na qual a carga de conhecimento é produto de aprendizado rotineiro. É um oxioma dos feiticeiros o fato de que, embora tenhamos perdido aquela insinuação, a avenida que conduz ao conhecimento silencioso estará sempre aberta ao homem através do silencio interior.

Dom Juan ensinava a linha inflexível da sua linhagem: que o silêncio interior deve ser obtido através de uma pressão consistente de disciplina. Precisa ser acumulado ou armazenado pouco a pouco, segundo por segundo. Em outras palavras, a pessoa precisa se forçar a ficar em silêncio, mesmo que seja apenas por alguns segundos. De acordo com Dom Juan, era conhecimento comum entre os feiticeiros que, se a pessoa persiste, a persistência supera o hábito e, assim, é possível chegar a um limiar de segundos ou minutos acumulados, que difere de pessoa para pessoa. Se, para um determinado indivíduo, o limiar do silêncio interior for de, por exemplo, dez minutos, uma vez que esse limiar é atingido, o silêncio interior acontece por si mesmo, espontaneamente por assim dizer.
Fui previamente avisado de que não havia nenhuma outra maneira possível de saber qual poderia ser meu limiar individual e que a única maneira de descobrir isso era através da experiência direta. Foi exatamente o que aconteceu comigo. Seguindo a sugestão de Dom Juan, eu tinha persistido em me forçar a permanecer em silêncio e, um dia, enquanto caminhava na UCLA (Universidade da Califórnia de Los Angeles), alcancei meu misterioso limiar. Sabia que o tinha alcançado porque, em um instante, experimentei algo que Dom Juan havia descrito extensamente pra mim. Ele o chamava de parando o mundo. No piscar de um olho, o mundo parou de ser o que era e, pela primeira vez em minha vida, tornei-me consciente de que eu estava vendo a energia como ela fluía no universo. Precisei me sentar em uma escada de tijolos. Sabia que estava sentado numa escada de tijolos, mas só o sabia intelectualmente, através da memória. Experimentalmente, eu estava descansando em energia. Eu mesmo era energia, assim como todas as coisas ao meu redor. Eu tinha anulado o meu sistema de interpretação.

Após ver energia diretamente, percebi algo que se tornou o horror do meu dia, algo que ninguém, com exceção de Dom Juan, poderia me explicar satisfatoriamente. Conscientizei-me de que, embora estivesse vendo pela primeira vez em minha vida, eu tinha estado vendo a energia como ela flui no universo a minha vida toda, mas não tinha tido consciência disso. A novidade não foi ver a energia como ela flui no universo. A novidade foi a dúvida que surgiu com uma tal fúria que me fez voltar novamente à tona do mundo da vida cotidiana. Eu me perguntava o que tinha estado me impedindo de compreender que eu tinha estado vendo a energia como ela flui no universo a minha vida toda.

- Aqui há duas questões em jogo - explicou-me Dom Juan quando lhe perguntei sobre essa condição enlouquecedora. - Uma é a percepção geral. A outra é a consciência especial e deliberada. Em termos gerais, todos os seres humanos têm consciência de verem a energia como ela flui no universo. Entretanto só os feiticeiros estão especial e deliberadamente conscientes disso. Tornar-se consciente de alguma coisa da qual você tem uma percepção geral requer energia e a rígida disciplina necessária para obtê-la.

O seu silêncio interior eram muito variáveis e que o único impedimento a essa condição era a atitude pragmática, que era o produto de um corpo magnificamente flexível, ágil e forte. Dizia que, para os feiticeiros, o corpo físico envolvia tanto o corpo quanto a mente como nós os conhecemos e que, para contrabalancear o corpo físico como uma unidade holística, os feiticeiros consideravam uma outra configuração de energia que era alcançada através do silêncio interior: O corpo energético. Ele explicava que o que eu tinha experimentado no momento em que tinha parado o mundo era o ressurgimento do meu corpo energético e que essa configuração de energia era a única que sempre tinha sido capaz de ver a energia como ela fluía no universo.

Carlos Castaneda