27 de jul. de 2009

A Experiência Psicodélica

Seguindo o modelo tibetano, distinguimos três fases da experiência psicodélica. O primeiro período (Chikhai Bardo) é o da transcendência completa – além das palavras, além do espaço-tempo, além do self. Não há visões, nem sentido do self, nem pensamentos. Há apenas consciência pura e liberdade extasiante de quaisquer envolvimentos com jogos (e biológicos).
[“Jogos” são seqüências comportamentais definidas por papeis, regras, rituais, objetivos, estratégias, valores, linguagem, lugares característicos no espaço-tempo e padrões característicos de movimento. Qualquer comportamento que não tenha estes nove fatores é um não-jogo: isto inclui reflexos fisiológicos, ações espontâneas, e consciência transcendente.]

O segundo grande período envolve o self, ou jogo realidade exterior (Chonyid Bardo) – numa claridade aguda ou na forma de alucinações (aparições cármicas). O período final (Sidpa Bardo) envolve o retorno ao jogo realidade rotineiro e ao self. Para a maioria das pessoas o segundo estágio (estético ou alucinatório) é o mais longo. Para os iniciados, o primeiro estágio de iluminação dura mais. Para os despreparados, os heavy game players[3], aqueles que se agarram angustiadamente a seus egos, e para aqueles que tomam a droga num cenário não-apropriado, a luta para voltar à realidade começa cedo e normalmente dura até o fim da sessão.(...)

Eis uma lista das sensações físicas comumente relatadas: 1. Pressão corporal, que os tibetanos chamam de terra-se-desfazendo-em-água; 2. Frio úmido, seguido por calor febril, o que os tibetanos chamam de água-se-desfazendo-em-fogo; 3. Desintegração do corpo ou a sua dispersão em átomos, chamada fogo-se-desfazendo-em-ar; 4. Pressão na cabeça e nos ouvidos, que os americanos chamam de foguete-sendo-lançado-ao-espaço; 5. Formigamento nas extremidades; 6. Sensação de como se o corpo estivesse derretendo ou escorrendo como cera; 7. Náusea; 8. Tremor, começando na região pélvica e se espalhando para o tronco.
As reações físicas devem ser reconhecidas como sinais indicativos da transcendência. Evite tratá-las como sintomas de doença, aceite-as, una-se a elas, aproveite-as.


A Experiência Psicodélica - Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos - Timothy Leary


24 de jul. de 2009

Uma Estranha Realidade

“Meu benfeitor dizia que, quando um homem toma os caminhos da feitiçaria, torna-se consciente, aos poucos, de que a vida comum ficou para trás; que o conhecimento é na verdade uma coisa assustadora; que os meios do mundo comum não são mais um escudo para ele; e que tem de adotar um novo modo de vida, para poder sobreviver. A primeira coisa que ele deve fazer, nesse ponto, é desejar tornar-se um guerreiro, um passo e uma decisão muito importantes. A natureza assustadora do conhecimento não nos deixa nenhuma alternativa se não tornarmos um guerreiro.

“Quando o conhecimento se torna uma coisa assustadora, o homem também compreende que a morte é o companheiro insubstituível, que se senta ao lado dele na esteira. Cada pouquinho de conhecimento que se torna poder tem a morte como sua força central. A morte dá o último toque, e o que for tocado pela morte torna-se realmente poder.

“Um homem que segue os caminhos da feitiçaria se defronta com uma aniquilação iminente a cada passo do caminho, e é inevitável que tome fortemente consciência de sua morte. Sem a consciência da morte, ele seria apenas um homem comum, praticando atos comuns. Não teria a necessária potência, a necessária concentração que transforma o tempo comum da pessoa na Terra num poder mágico.

“Assim, para ser um guerreiro o homem tem de estar, antes de tudo, e propriamente, muito consciente de sua própria morte. Mas a preocupação com a morte levaria qualquer um de nós a focalizar a atenção em si e isso seria debilitante. Portanto, a segunda coisa de que se precisa para ser um guerreiro é o desprendimento. A idéia da morte iminente, em vez de se tornar uma obsessão, torna-se uma indiferença.” (...)

- Agora você precisa desprender-se – disse ele.
- Do quê?
- Desprender-se de tudo.
- Isso é impossível. Não quero virar ermitão.
- Ser um ermitão é uma indulgência e eu não quis dizer isso. Um ermitão não é desprendido, pois se entrega propositalmente a ser um ermitão.
- Somente a idéia da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Um homem assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiar, tudo de todas as coisas.

“Um homem desprendido, que sabe que não tem possibilidade de evitar sua morte, só tem uma coisa em que se apoiar: o poder de suas decisões. Ele tem de ser, por assim dizer, o senhor de suas opções. Deve compreender plenamente que sua opção é sua responsabilidade, e, uma vez feita, não há mais tempo para remorsos ou recriminações. Suas decisões são finais, simplesmente porque sua morte não lhes permite tempo para se agarrar a nada.

E assim, com a consciência de sua morte, com seu desprendimento e com o poder de suas decisões, um guerreiro organiza sua vida de maneira estratégica. O conhecimento de sua morte o orienta e o torna desprendido e secretamente sensual; o poder de suas decisões finais o torna capaz de escolher sem remorsos, e que ele escolhe é sempre estrategicamente o melhor; e assim ele executa tudo aquilo de que precisa com vontade e uma eficiência sensual.

Quando um homem procede dessa maneira, pode-se dizer com segurança que ele é um guerreiro e adquiriu a paciência.” (...)

- Quando um guerreiro consegue a paciência, está a caminho da vontade. Sabe esperar. Sua morte senta-se com ele em sua esteira, eles são amigos. Sua morte o aconselha, de maneira misteriosa, a optar, a viver estrategicamente. E o guerreiro espera! Eu diria que o guerreiro aprende sem pressa alguma porque ele sabe que está esperando sua vontade; e um dia consegue realizar alguma coisa que normalmente impossível. Pode nem notar seu feito extraordinário. Mas, à medida que continuar a realizar coisas impossíveis, ou coisas impossíveis lhe forem acontecendo, ele percebe que uma espécie de poder está surgindo. Um poder que emana de seu corpo enquanto ele progride no caminho do conhecimento.

Uma Estranha Realidade - Carlos Castaneda