4 de fev. de 2009

NAGUALISMO

Em várias ocasiões Don Juan tentou, para o meu proveito, dar nome ao seu conhecimento. Ele sentia que o nome mais apropriado era nagualismo, mas que o termo era obscuro demais. Chamá-lo simplesmente “conhecimento” tornava-o vago, e chamá-lo de “bruxaria” seria rebaixá-lo. “A maestria do ‘intento’” era muito abstrata, e “a busca da liberdade total” longa demais e metafórica. Finalmente, por ser incapaz de encontrar um nome mais apropriado, chamou-o “feitiçaria”, embora admitisse não ser realmente adequado.
Através dos anos, deu-me diferentes definições de feitiçaria, mas sempre manteve que as definições mudam à medida que o conhecimento cresce. Perto do final de meu aprendizado, senti que estava em condição de apreciar uma definição mais clara, assim pedi-lhe mais uma vez.

-Do ponto de vista do homem comum – disse Dom Juan – a feitiçaria é bobagem ou um mistério agourento além de seu alcance. Ele está certo, não porque este seja um fato absoluto, mas porque ao homem comum falta energia para lidar com feitiçaria. – Parou por um momento antes de continuar: - Os seres humanos nascem com uma quantidade finita de energia – continuou -, uma energia que é sistematicamente desdobrada, começando no momento do nascimento, de modo que possa ser usada de modo mais vantajoso pela modalidade do tempo.


-O que quer dizer por modalidade do tempo? – perguntei.

-A modalidade do tempo é o feixe preciso de energia sendo percebido. Acredito que a percepção do homem mudou através das eras. O próprio tempo decide o modo; o tempo decide quais feixes precisos de campos de energias, dentre um número incalculável, devem ser usados. E manipular a modalidade do tempo...esses poucos e selecionados campos de energia... toma toda a nossa energia disponível, não nos deixando nada que nos ajude a usar qualquer dos outros campos de energia.

Eu permanecia atento a sua explanação.

Convidou-me com um leve movimento das sobrancelhas a considerar tudo isso.

-Isto é o que quero dizer quando afirmo que o homem comum não tem energia necessária para lidar com feitiçaria. Se usar apenas a energia que tem, não podem perceber os mundos que os feiticeiros percebem. Para fazê-o, os feiticeiros precisam usar um grupo de campos de energia não usado normalmente. Claro que, se o homem comum perceber esses mundos e compreender a percepção dos feiticeiros, deve se utilizar do mesmo grupo que esses usaram. E isto simplesmente não é possível, porque toda sua energia já está desdobrada.

-Fez uma pausa, como se preocupando pelas palavras apropriadas para demonstrar seu ponto de vista. – Pense dessa maneira. Não é que, à medida que o tempo passa, você esteja aprendendo feitiçaria; antes, o que está aprendendo é economizar energia. E essa energia irá capacitá-lo a manipular alguns dos campos de energia que lhe são agora inacessíveis. E isso é feitiçaria: a habilidade de usar campos de energia que não são empregados para perceber o mundo normal que conhecemos. Feitiçaria é um estado de consciência. Feitiçaria é a capacidade de perceber algo que a percepção comum não consegue.

“Tudo o que fiz você passar, cada uma das coisas que lhe mostrei era apenas um instrumento para convencê-lo de que há mais coisas do que olho pode perceber. Não necessitamos de ninguém para nos ensinar feitiçaria, porque de fato não há nada a aprender. O que necessitamos é de um professor para nos convencer de que há poder incalculável ao alcance de nossos dedos. Que paradoxo estranho! Cada guerreiro na trilha do conhecimento pensa, num momento ou noutro, que está aprendendo feitiçaria, mas tudo o que está fazendo é permitir a si mesmo ser convencido do poder oculto em seu ser, e que pode alcançá-lo.

-É isto que está fazendo, Dom Juan, convencendo-me?

-Isso mesmo. Estou tentando convencê-lo de que pode alcançar esse poder. Passei pela mesma coisa. E era tão difícil de ser convencido quanto você.

-Uma vez que o alcançamos, o que fazemos exatamente com ele, Dom Juan?

-Nada. Uma vez que o alcançamos, este irá, por si mesmo, fazer uso dos campos de energia que estão disponíveis para nós, embora inacessíveis. E isto, como eu disse, é feitiçaria. Começamos então a ver, isto é, perceber, algo mais; não como imaginação, mas como real e concreto. E então começamos a conhecer sem a necessidade de usar palavras. E o que cada um de nós faz com esta percepção aumentada, com aquele conhecimento silencioso, depende de nosso temperamento. (...)

O Poder do Silêncio – Carlos Castaneda