31 de dez. de 2013
13 de dez. de 2011
A liberdade da auto-identificação

"Maharaj: Você pode sentar no chão? Precisa de uma almofada? Tem qualquer pergunta a fazer? Não é que você necessite perguntar, você pode também ficar quieto. Ser, só ser, é importante. Você não precisa perguntar, nem fazer nada. Tal modo aparentemente preguiçoso de passar o tempo é altamente considerado na Índia. Significa que, no momento, você está livre da obsessão do “e agora?”. Quando você não tem pressa e a mente está livre da ansiedade, ela se torna tranqüila e, no silêncio, algo pode ser ouvido, o qual é ordinariamente muito tênue e sutil para ser percebido. A mente deve estar aberta e serena para ver. O que estamos tentando fazer aqui é trazer nossas mentes para dentro do estado adequado ao entendimento do que é real.
P: Como podemos reduzir nossas preocupações?
M: Você não necessita preocupar-se com suas preocupações. Apenas seja. Não tente estar tranqüilo; não faça do “estar tranqüilo” uma tarefa a ser realizada. Não se inquiete a respeito de “estar tranqüilo”, angustiado por “ser feliz”. Simplesmente, seja consciente de que você é, e permaneça consciente – não diga “sim, eu sou; e agora?” Não há um “e agora?” no “eu sou”. É um estado eterno.
P: Se for um estado eterno, ele se expressará de qualquer modo.
M: Você é o que é, eternamente, mas de que lhe serve isto a menos que você o conheça e saiba agir de acordo? Sua tigela de mendigo pode ser de puro ouro, mas, enquanto você não souber disto, será um miserável. Você deve conhecer seu valor interno e confiar nele, e expressá-lo no diário sacrifício do desejo e do medo.
P: Se eu me conhecesse, não deveria desejar ou temer?
M: Durante algum tempo, os hábitos mentais podem demorar-se apesar da nova visão – o hábito de desejar o passado conhecido e temer o futuro desconhecido. Quando você souber que estes só pertencem à mente, poderá ir além deles. Enquanto tiver todo o tipo de idéia sobre si mesmo, conhecer-se-á através da névoa destas idéias; para conhecer-se tal com é, abandone todas as idéias. Não pode imaginar o sabor da água pura, só pode descobri-lo abandonando todos os sabores.
Enquanto estiver interessado em seu modo atual de vida, você não o abandonará. O descobrimento não poderá vir, enquanto você estiver aderido ao familiar. Só quando você compreender plenamente a imensa aflição de sua vida, e se rebelar contra ela, poderá encontrar a saída.
P: Posso ver agora que o segredo da vida eterna da Índia está nestas dimensões da existência das quais a Índia sempre teve a custódia.
M: É um segredo aberto e sempre houve pessoas querendo, e dispostas a distribuí-lo. Mestres, há muitos; discípulos corajosos, muito poucos.
P: Estou desejoso de aprender.
M: Aprender palavras não é o bastante. Você pode conhecer a teoria, mas sem a experiência real de si mesmo como o impessoal e não qualificado centro de ser, amor e bem-aventurança, o mero conhecimento verbal será estéril.
P: Então, o que faço?
M: Tente ser, apenas ser. A palavra mais importante é “tentar”. Destine tempo suficiente a cada dia para sentar-se quietamente e tentar, apenas tentar, ir além da personalidade com seus vícios e obsessões. Não pergunte como, não pode ser explicado. Siga tentando até ser bem sucedido. Se perseverar, não poderá haver fracasso. O que interessa no grau máximo é a sinceridade, a seriedade; deve estar farto de ser a pessoa que é, e ver a urgente necessidade de libertar-se desta desnecessária auto-identificação com um punhado de recordações e hábitos. Esta firme resistência contra o desnecessário é o segredo do êxito.
No final das contas, você é o que é a cada momento de sua vida, mas nunca é consciente disto, exceto, talvez, no momento de acordar do sono. Tudo quanto necessita é ser consciente do ser, não como uma afirmação verbal, mas como um fato sempre presente. A Consciência que você é abrirá os seus olhos para o que você é. É tudo muito simples. Em primeiro lugar, estabeleça um contato constante consigo mesmo, esteja consigo mesmo todo o tempo. Todas as bênçãos fluem da Consciência. Comece como um centro de observação, de conhecimento deliberado, e torne-se um centro de amor em ação. “Eu sou” é uma pequena semente que se tornará uma poderosa árvore – de forma totalmente natural, sem um traço de esforço.
P: Vejo tanto mal em mim mesmo. Não devo mudar isto?
M: O mal é a sombra da falta de atenção. Na luz da Consciência, ele secará e cairá.
Toda dependência de outro é fútil, pois o que os outros podem dar, outros levarão. Apenas o que é seu no princípio permanecerá seu ao final. Não aceite orientação exceto de dentro e, mesmo então, examine bem todas as lembranças, pois elas o enganarão. Mesmo que desconheça os caminhos e os meios, fique quieto e olhe para dentro de si mesmo; a orientação, seguramente, virá. Você nunca é deixado sem conhecer que próximo passo deverá dar. O problema é que você pode evitá-lo. O Guru está aí para dar-lhe coragem, devido à sua experiência e realização. Mas só aquilo que você descobre através de sua própria Consciência, seu próprio esforço, será de uso permanente para você.
Lembre-se, nada do que você percebe é seu. Nada de valor vem a você do exterior; apenas seu próprio sentimento e entendimento são relevantes e reveladores. Palavras ouvidas, ou lidas, apenas criarão imagens em sua mente, mas você não é uma imagem mental. Você é o poder da percepção e da ação por trás e além da imagem.
P: Parece que você me aconselha a centrar-me em mim mesmo ao ponto do egoísmo. Não devo render-me a meu interesse pelas outras pessoas?
M: Seu interesse nos outros é egoísta, em interesse próprio, orientado para si mesmo. Você não está interessado nos outros como pessoas, mas só na medida em que eles enriquecem ou enobrecem sua própria imagem de si mesmo. E o maior egoísmo é cuidar apenas da proteção, preservação e multiplicação do próprio corpo. Por corpo quero dizer tudo o que está relacionado com seu nome e forma – sua família, tribo, país, raça, etc. O egoísmo é estar apegado à forma e ao nome. Um homem que sabe que não é nem corpo nem mente não pode ser egoísta, pois não tem nada por que ser egoísta. Ou, você pode dizer que é igualmente “egoísta” em benefício de todos aqueles que encontra; o bem-estar de todos é o seu bem-estar. O sentimento “eu sou o mundo, o mundo sou eu mesmo” torna-se totalmente natural; uma vez que isto esteja estabelecido, não haverá modo de ser egoísta. Ser egoísta significa invejar, adquirir, acumular em benefício da parte e contra o todo.
P: Pode-se ser rico e com muitas posses por herança ou matrimônio, ou simplesmente boa sorte.
M: Se você não se aferrar a elas, serão levadas de você.
P: Em seu estado presente, pode amar outra pessoa como pessoa?
M: Eu sou a outra pessoa, a outra pessoa sou eu mesmo; em nome e forma somos diferentes, mas não há separação. Na raiz de nosso ser, nós somos um.
P: Não é assim toda vez que há amor entre pessoas?
M: É, mas não são conscientes disto. Elas sentem a atração, mas não conhecem a razão.
P: Por que o amor é seletivo?
M: O amor não é seletivo, o desejo é seletivo. No amor não há estranhos. Quando o centro do egoísmo não existe mais, todos os desejos de prazer e temor da dor cessam; não se está mais interessado em ser feliz; além da felicidade está a pura intensidade, a energia inesgotável, o êxtase de dar de uma fonte perene.
P: Não devo começar resolvendo por mim mesmo o problema do certo e do errado?
M: O que é agradável, as pessoas tomam por bom, e o que é doloroso é tido por mau.
P: Sim, é assim, para nós, pessoas comuns. Mas como é para você, no nível da unidade? O que é bom e o que é mau para você?
M: O que aumenta o sofrimento é mau e o que o remove é bom.
P: De modo que você não considera bom o sofrimento em si mesmo. Há religiões em que o sofrimento é considerado bom e nobre.
M: O karma, ou destino, é a expressão de uma lei benéfica; o universal tende ao equilíbrio, à harmonia e à unidade. A cada momento, aquilo que acontece agora é no sentido do melhor. Pode parecer doloroso ou feio, um sofrimento amargo e sem sentido, mesmo assim, considerando o passado e o futuro, é para melhor, a única saída de uma situação desastrosa.
P: Sofre-se apenas pelos próprios pecados?
M: Sofre-se junto com o que se acredita ser. Se você se sentir um com a humanidade, você sofrerá com ela.
P: E, posto que você pretende ser um com o universo, não há limite no tempo e no espaço para seu sofrimento!
M: Ser é sofrer. Quanto mais estreito for o círculo de minha auto-identificação, mais agudo o sofrimento causado pelo desejo e pelo medo.
P: O Cristianismo aceita o sofrimento como purificador e enobrecedor, enquanto o Hinduísmo o olha com desgosto.
M: O Cristianismo é uma maneira de juntar palavras e o Hinduísmo é outra. O real é, por trás e além das palavras, incomunicável, diretamente experimentado, explosivo em seus efeitos sobre a mente. É facilmente obtido quando não se quer nada mais. O irreal é criado pela imaginação e perpetuado pelo desejo.
P: Pode haver sofrimento que seja necessário e bom?
M: A dor acidental, ou casual, é inevitável e transitória; a dor deliberada, infligida inclusive com a melhor das intenções, é absurda e cruel.
P: Você não castigaria o crime?
M: A punição não é senão crime legalizado. Na sociedade construída sobre a prevenção em vez da retaliação, haveria poucos delitos. As poucas exceções seriam tratadas medicamente, como mente e corpo enfermos.
P: Parece que você tem pouco emprego para a religião.
M: O que é a religião? Uma nuvem no céu. Eu vivo no céu, não nas nuvens, as quais são muitas palavras unidas. Elimine a verbosidade e o que permanece? A verdade permanece. Meu lar está no imutável, o qual parece ser o estado de constante reconciliação e integração dos opostos. As pessoas vêm aqui para aprender sobre a existência real de tal estado, sobre os obstáculos a seu surgimento e, uma vez percebido, sobre a arte de estabelecê-lo na consciência, de modo que não haja choque entre o entendimento e o viver. O próprio estado está além da mente e não é necessário aprendê-lo. A mente pode apenas focar os obstáculos; ver um obstáculo como obstáculo é eficaz, porque é a ação da mente sobre a mente. Comece do início; dê atenção ao fato de que você é. Em nenhum momento você pode dizer “eu não fui”, tudo o que pode dizer é: “Não recordo”. Você sabe quão incerta é a memória. Aceite que, preocupado com mesquinhos assuntos pessoais, esqueceu o que é; trate de recuperar a memória perdida mediante a eliminação do conhecido. Não se pode falar a você sobre o que vai acontecer, nem tampouco é desejável; a antecipação criará ilusões. Na busca interior, o inesperado é inevitável; o descobrimento está invariavelmente além de toda a imaginação. Do mesmo modo que uma criança ainda não nascida não pode conhecer a vida depois do nascimento, pois não tem em sua mente nada para formar uma imagem válida, assim também a mente é incapaz de pensar no real em termos de irreal exceto mediante a negação: “Isto não, aquilo não”. A aceitação do irreal como real é o obstáculo; ver o falso como falso, e abandoná-lo, traz a realidade para dentro do ser. Os estados de total claridade, amor imenso, coragem completa, são meras palavras no momento, perfis sem cor, sinais do que pode ser. Você é como um homem cego esperando ver depois de uma operação – desde que você não a evite! No estado em que estou, as palavras não interessam de forma alguma. Nem há qualquer dependência delas. Só importam os fatos.
P: Não pode haver nenhuma religião sem palavras.
M: As religiões documentadas são meros montes de verbosidade. As religiões mostram seu verdadeiro rosto na ação, na ação silenciosa. Para saber no que o homem acredita, observe como ele age. Para a maioria das pessoas, o serviço a seus corpos e mentes é sua religião. Podem ter idéias religiosas, mas não agem de acordo com elas. Brincam com elas, muitas vezes sentem-se muito orgulhosas delas, mas não agirão de acordo com elas.
P: As palavras são necessárias para a comunicação.
M: Para a troca de informações, sim. Mas a comunicação real entre as pessoas não é verbal. Para estabelecer e manter uma relação afetuosa, requer-se uma Consciência expressa na ação direta. Não o que você diz, mas o que faz é que importa. As palavras são fabricadas pela mente e só são significativas no nível mental. Não pode comer nem viver da palavra “pão” que, meramente, comunica uma idéia. Ela adquire significado apenas com a refeição real. No mesmo sentido, estou lhe falando que o Estado Normal não é verbal. Posso dizer que é o amor sábio expresso na ação, mas estas palavras transmitem pouco, a menos que você as experimente em toda sua plenitude e beleza.
As palavras têm sua utilidade limitada, mas não pôr nenhum limite a elas nos leva à beira do desastre. Nossas nobres idéias estão elegantemente equilibradas por ações desprezíveis. Nós falamos de Deus, Verdade e Amor, mas, em lugar de experiências diretas, nós temos definições. Em vez de aumentar e aprofundar a ação, nós cinzelamos nossas definições. E imaginamos que conhecemos o que podemos definir!
P: Como se pode transmitir a experiência senão por palavras?
M: A experiência não pode ser transmitida através de palavras. Vem com a ação. Um homem cuja experiência é intensa irradiará confiança e coragem. Outros também agirão, e ganharão a experiência nascida da ação. O ensinamento verbal tem sua utilidade, prepara a mente para esvaziar-se de suas acumulações.
Um nível de maturidade mental é alcançado quando nada externo é de algum valor e o coração está pronto para abandonar tudo. Então o real tem uma oportunidade e a aproveita. Os atrasos – se houver algum – são causados pela mente que se recusa a ver ou a descartar.
P: Estamos tão totalmente sós?
M: Oh, não! Não estamos. Aqueles que têm podem dar. E tais doadores são muitos. O próprio mundo é um presente supremo, mantido por um amoroso sacrifício. Mas, os adequados receptores, sábios e humildes, são poucos. “Pedi e será dado” é a lei eterna.
Tantas palavras você tem aprendido, tantas você tem dito. Você conhece tudo, mas não a si mesmo. Porque o ser não é conhecido através de palavras – apenas a percepção direta o revelará. Olhe dentro de si mesmo, busque no interior.
P: É muito difícil abandonar as palavras. Nossa vida mental é uma corrente contínua de palavras.
M: Não é questão de fácil ou difícil. Você não tem alternativa. Ou você tenta, ou não. Depende de você.
P: Tentei muitas vezes e fracassei.
M: Tente novamente. Se continuar tentando, alguma coisa poderá acontecer. Mas se você não tentar, estará preso. Você pode conhecer todas as palavras adequadas, citar as escrituras e ser brilhante em suas discussões e, mesmo assim, continuar sendo um saco de ossos. Ou pode ser discreto e humilde, uma pessoa totalmente insignificante, todavia resplandecente de amorosa bondade e profunda sabedoria."
Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj
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14 de nov. de 2011
Nisargadatta - O Supremo, a Mente e o Corpo
Maharaj: É tudo uma questão de foco. A sua mente está enfocada no mundo; a minha está focada na realidade. É como a lua à luz do dia – quando o sol brilha, a lua quase não é visível. Ou observe como você se alimenta. Enquanto o alimento estiver na boca, você estará consciente dele; uma vez engolido, já não o interessará mais. Seria problemático tê-lo constantemente na mente até que fosse eliminado! A mente, normalmente, teria que estar em suspensão – a atividade incessante é um estado mórbido. O universo funciona por si mesmo – sei disto. O que mais necessito saber?
P: De modo que um gnani sabe o que está fazendo apenas quando presta atenção; de outro modo, ele simplesmente atua, sem se preocupar.
M: O homem médio não é consciente de seu corpo como tal. Ele é consciente de suas sensações, sentimentos e pensamentos. Mesmo estes, uma vez que se estabeleça o desapego, afastam-se do centro da consciência e acontecem espontaneamente e sem esforço.
P: Então, o que está no centro da consciência?
M: Isto a que não se pode dar nome e forma, já que não tem qualidades e está além da consciência. Você pode dizer que ele é um ponto na consciência, o qual está além da consciência. Como um buraco no papel, o qual está no papel e, ao mesmo tempo, não está no papel, assim o estado supremo está no próprio centro da consciência e ao mesmo tempo além dela. É como se fosse uma abertura na mente através da qual a mente seria inundada de luz. A abertura não é sequer a luz. É simplesmente uma abertura.
P: Uma abertura é simplesmente o vazio, a ausência.
M: Isso mesmo. Do ponto de vista da mente, é apenas uma abertura para que a luz da Consciência entre no espaço mental. Por si mesma, a luz só pode ser comparada a uma massa de Consciência pura que é sólida, densa, como uma rocha, homogênea e imutável, livre de padrões mentais de nome e forma.
P: Há alguma conexão entre o espaço mental e a morada suprema?
M: O supremo dá existência à mente. A mente dá existência ao corpo.
P: E o que há além?
M: Dando um exemplo. Um venerável iogue, um mestre na arte da longevidade, com mais de mil anos de idade, vem me ensinar sua arte. Eu respeito e admiro sinceramente seus êxitos e, ainda assim, tudo o que posso dizer a ele é: De que me serve a longevidade? Estou além do tempo. Por muito duradoura que seja a vida, é apenas um momento e um sonho. Do mesmo modo, estou além de todos os atributos. Eles aparecem e desaparecem em minha luz, mas não podem descrever-me. O universo é todas as formas e nomes, baseado em qualidades e diferenças, enquanto eu estou além de tudo isto. O mundo existe porque eu sou, mas eu não sou o mundo.
P: Mas você está vivendo no mundo!
M: Isso é o que você diz! Sei que existe um mundo, o qual inclui este corpo e esta mente, mas não os considero mais ‘meus’ que outras mentes e outros corpos. Eles estão aí, no tempo e no espaço, mas eu sou atemporal e ilimitado.
P: Mas, já que tudo existe por sua luz, você não seria o criador do mundo?
M: Eu não sou nem a potencialidade nem a atualização, nem a realidade das coisas. Em minha luz, elas vão e vêm como partículas de pó dançando no raio de sol. A luz ilumina as partículas, mas não depende delas. Nem se pode dizer que as criou. Nem sequer se pode dizer que as conheça.
P: Estou lhe fazendo uma pergunta e você está respondendo. Você está consciente da pergunta e da resposta?
M: Na realidade, não estou escutando nem respondendo. No mundo dos eventos, a pergunta e a resposta acontecem. Nada acontece para mim. Tudo simplesmente acontece.
P: E você é a testemunha?
M: O que a testemunha significa? Mero conhecimento. Choveu e agora a chuva acabou. Não me molhei. Sei que choveu, mas não fui afetado. Somente testemunhei a chuva.
P: O homem totalmente realizado, que mora espontaneamente no estado supremo, parece comer, beber e tudo o mais. Ele é consciente disto, ou não?
M: Isto no qual a consciência acontece, a consciência universal ou mente, nós chamamos o éter da consciência. Todos os objetos da consciência formam o universo. O que está além de ambos, apoiando-os, é o estado supremo, um estado de quietude e silêncio absolutos. Quem quer que vá ali desaparece. As palavras ou a mente não podem alcançá-lo. Você pode chamá-lo Deus, ou Parabrahman, ou Realidade Suprema, mas estes nomes são dados pela mente. É o estado sem nome, sem conteúdo, sem esforço e espontâneo, além do ser e do não ser.
P: Mas se segue sendo consciente?
M: Assim como o universo é o corpo da mente, a consciência é o corpo do supremo. Ela não é consciente, mas dá origem à consciência.
P: Em minhas ações diárias, muitas coisas ocorrem por hábito, automaticamente. Eu estou consciente do propósito geral, mas não de cada movimento em detalhe. À medida que minha consciência se amplia e aprofunda, os detalhes tendem a retirar-se, deixando-me livre para as tendências gerais. Não acontece o mesmo para um gnani, e ainda mais?
M: No nível da consciência – sim. No estado supremo, não. Este estado é inteiramente um e indivisível, um único e sólido bloco de realidade. O único modo de conhecê-lo é sê-lo. A mente não pode alcançá-lo. Para percebê-lo, não se requer o uso dos sentidos; para conhecê-lo, não é necessária a mente.
P: Assim é como Deus conduz o mundo.
M: Deus não está administrando o mundo.
P: Então, quem o faz?
M: Ninguém. Tudo ocorre por si mesmo. Você está fazendo a pergunta e dando a resposta. E você conhece a resposta quando faz a pergunta. Tudo é um jogo na consciência. Todas as divisões são ilusórias. Você só pode conhecer o falso, o verdadeiro você mesmo deve sê-lo.
P: Há a consciência testemunhada e a consciência que testemunha. É a segunda a suprema?
M: Existem as duas – a pessoa e a testemunha, o observador. Quando as vê como um, e vai além, você está no estado supremo. Ele não é perceptível, pois é o que torna possível a percepção. Está além do ser e do não ser. Não é nem o espelho nem a imagem no espelho. É o que é – a realidade atemporal, incrivelmente dura e sólida.
P: O gnani – ele é a testemunha ou o Supremo?
M: Ele é o Supremo, certamente, mas também pode ser visto como a testemunha universal.
P: Mas continua sendo uma pessoa?
M: Quando você acredita ser uma pessoa, vê pessoas em todas as partes. Na realidade não há pessoas, apenas fios de recordações e hábitos. No momento da realização, a pessoa tem um fim. A identidade permanece, mas a identidade não é uma pessoa, é inerente à própria realidade. A pessoa não tem nenhuma existência em si mesma; ela é um reflexo na mente da testemunha, o ‘Eu sou’, que novamente é um modo de ser.
P: O Supremo é consciente?
M: Nem consciente nem inconsciente. Digo-o por experiência.
P: Pragnanam Brahma.O que é Pragna?
M: É o conhecimento que não é autoconsciente da própria vida.
P: É vitalidade, energia de vida, vivacidade?
M: A energia vem em primeiro lugar. Pois tudo é uma forma de energia. A consciência está mais diferenciada no estado de vigília. Um pouco menos no sonho. Ainda menos no sono profundo. É homogênea – no quarto estado. Além, está a inexpressável realidade monolítica, a morada do gnani.
P: Cortei a mão. Já sarou. Que poder a fez sarar?
M: O poder da vida.
P: O que é esse poder?
M: É consciência. Tudo é consciente.
P: Qual é a origem da consciência?
M: A própria consciência é a origem de tudo.
P: Pode existir vida sem consciência?
M: Não, nem consciência sem vida. Ambas são uma. Mas, na realidade, só o Supremo é. O resto é questão de nomes e formas. E, enquanto se aferrar à ideia de que apenas o que tem forma e nome existe, o Supremo lhe parecerá não existente. Quando entender que os nomes e as formas são cascas vazias sem nenhum conteúdo seja qual for, e que o real não tem nome nem forma, que é pura energia de vida e luz de consciência, então estará em paz – imerso no profundo silêncio da realidade.
P: Se o tempo e o espaço forem meras ilusões e você está além, diga-me, por favor, que tempo faz em Nova Iorque. Faz calor ou está chovendo?
M: Como poderia falar para você? Tais coisas necessitam treinamento especial. Ou simplesmente viajar até Nova Iorque. Eu posso estar muito seguro de estar além do tempo e do espaço e, ao mesmo tempo, ser incapaz de localizar-me à vontade em algum ponto do tempo e do espaço. Não tenho suficiente interesse; não vejo nenhum propósito em seguir um treinamento ióguico especial. Simplesmente ouvi falar de Nova Iorque. Para mim, é uma palavra. Por que teria que conhecer mais do que encerra a palavra? Cada átomo pode ser um universo, tão complexo como o nosso. Tenho que os conhecer todos? Poderia – se treinasse.
P: Ao fazer a pergunta sobre o tempo em Nova Iorque, onde cometi o erro?
M: O mundo e a mente são estados de ser. O supremo não é um estado. Ele penetra todos os estados, mas não é um estado de outra coisa. É inteiramente sem causa, independente, completo em si mesmo, além do tempo e do espaço, da mente e da matéria.
P: Por que sinal o reconhece?
M: Esta é a questão, ele não deixa rastro. Não há como reconhecê-lo. Deve ser visto diretamente, abandonando toda a busca de sinais e aproximações. Quando forem abandonados todos os nomes e formas, o real estará com você. Não necessita buscá-lo. A pluralidade e a diversidade são apenas o jogo da mente. A realidade é uma só.
P: Se a realidade não deixasse evidência, não se poderia falar sobre ela.
M: A realidade é. Não se pode negá-la. Ela é profunda e obscura, um mistério além do mistério. Mas ela é, enquanto tudo mais meramente acontece.
P: É o Desconhecido?
M: Está além de ambos, o conhecido e o desconhecido. Mas eu o chamaria mais conhecido que desconhecido, pois, quando algo é conhecido, é o real que é conhecido.
P: O silêncio é um atributo do real?
M: Isto também é da mente. Todos os estados e condições são da mente.
P: Qual é o lugar do samadhi?
M: Não fazer uso da própria consciência é samadhi. Você simplesmente deixou a mente em paz. Você não quer nada, nem do corpo nem da mente.
Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj
11 de out. de 2011
15 de mai. de 2010
Você está além do espaço e do tempo

Pergunta: Você continua dizendo que eu nunca nasci e que nunca morrerei. Se é assim, como é que vejo o mundo como alguém que nasceu e que, certamente, morrerá.
Maharaj: Você acredita desse modo porque você nunca questionou sua crença de que você é o corpo, o qual, obviamente, nasce e morre. Enquanto vivo, atrai a atenção e o fascina tão completamente que raramente alguém percebe sua verdadeira natureza. É como ver a superfície do oceano e esquecer completamente a imensidade mais abaixo. O mundo é só a superfície da mente e a mente é infinita. O que chamamos pensamento são apenas ondulações da mente. Quando a mente está serena, reflete a realidade. Quando ela está imóvel em toda sua extensão, ela se dissolve e apenas a realidade permanece. Esta realidade é tão concreta, tão real, tão mais tangível que a mente e a matéria que, comparado com ela, mesmo o diamante é suave como manteiga. Esta impressionante realidade torna o mundo irreal, nebuloso, irrelevante.
P: Com tanto sofrimento no mundo, como pode vê-lo como irrelevante¿ Que frieza!
M: É você quem é insensível, não eu. Se seu mundo é tão cheio de sofrimento faça algo a respeito, não acrescente mais a ele através da ambição e da indolência. Eu não estou limitado por seu mundo ilusório. Em meu mundo, as sementes do sofrimento, do desejo e do temor não são semeadas, e o sofrimento não cresce. Meu mundo está livre dos opostos, de discrepâncias mutuamente destrutivas; prevalece a harmonia; sua paz é como uma rocha; esta paz e o silêncio são o meu corpo.
P: O que você diz lembra-me o dharmakaya de Buda.
M: Pode ser. Não precisamos afastarmos pela terminologia. Simplesmente veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo que percebe dentro de sua mente, e olhe de fora para a mente, a qual você não é. Depois de tudo, seu único problema é a ansiosa auto-identificação com qualquer coisa que perceba. Abandone este hábito, lembre que você não é o que percebe, utilize o seu poder de distanciamento alerta. Veja-se em tudo quanto vive e seu comportamento expressará sua visão. Uma vez que compreenda que não há nada neste mundo que possa ter por próprio, você olha o mundo de fora como olha para uma peça em um palco, ou uma imagem na tela, admirando e apreciando, mas realmente impassível. Enquanto você imagina ser algo tangível e sólido, uma coisa entre coisas, existindo realmente no tempo e no espaço, de breve duração e vulnerável, naturalmente estará ansioso para sobreviver e crescer. Mas quando se conhece como além do tempo e do espaço em contato com eles apenas no ponto do aqui e agora; de qualquer forma todo-penetrante e todo-abarcante, inacessível, inalcançável, invulnerável não terá mais medo algum. Conheça-se tal como é contra o medo não há outro remédio.
Você tem que aprender a pensar e sentir desse modo, ou permanecerá indefinidamente no nível pessoal do desejo e do temor, ganhando e perdendo, crescendo e decaindo. Um problema pessoal não pode ser resolvido em seu próprio nível. O próprio desejo de viver é o mensageiro da morte, da mesma forma que o desejo de ser feliz é a essência da aflição. O mundo é um oceano de dor e de medo, de ansiedade e desespero. Os prazeres são como os peixes, poucos e ligeiros, chegam raramente e depressa se vão. Um homem de pouca inteligência acredita contra a evidência, que é uma exceção e que o mundo lhe deve felicidade. Mas o mundo não pode dar o que não tem; irreal até a medula, é de nenhuma utilidade para a felicidade real. Não pode ser de outra forma. Buscamos o real porque estamos infelizes como o irreal. A felicidade é nossa própria natureza e não descansaremos até que a encontremos. Mas raramente sabemos onde buscá-la. Uma vez que tenha entendido que o mundo é apenas uma visão errada da realidade, e não é o que parece ser, você é livre de suas obsessões. Apenas o que é compatível com seu ser real pode fazê-lo feliz e o mundo, como você o percebe, é sua clara negação.
Mantenha-se tranqüilo e observe o que chega à superfície da mente. Rejeite o conhecido, dê as boas vindas ao até agora desconhecido e rejeite-o em seu devido tempo. Assim você chega a um estado em que não há conhecimento, apenas ser, e o próprio ser é o conhecimento. O conhecimento mediante o ser é o conhecimento direto. Está baseado na identidade do que vê e do visto. O conhecimento indireto é baseado na sensação e na memória, na proximidade do que percebe e sua percepção, confinado ao contraste entre os dois. O mesmo acontece com a felicidade. Geralmente você deve estar triste para conhecer a alegria, e alegre para conhecer a tristeza. A verdadeira felicidade não tem causa e não pode desaparecer por falta de estimulação. Não é o oposto da aflição e inclui toda aflição e todo sofrimento.
P: Como pode alguém permanecer feliz entre tanto sofrimento?
M: Não se pode evitar, a felicidade é irresistivelmente real. Como o sol no céu, suas expressões pode estar nubladas, mas nunca está ausente.
P: Quando temos problema, somos obrigados a sentir-nos desgraçados.
M: O único problema é o temor. Saiba que é independente e permanecerá livre do temor e de suas sombras.
P: Qual a diferença entre felicidade e prazer?
M: O prazer depende das coisas, a felicidade não.
P: Se a felicidade é independente, porque não estamos sempre felizes?
M: Enquanto acreditarmos que necessitamos coisas para fazer-nos felizes, também devemos acreditar que, na ausência delas, delas devemos ser miseráveis. A mente sempre se desenvolve de acordo com suas crenças. Daí a importância de convencer-se de que não é necessário ser incitado para a felicidade; que, ao contrário, o prazer é uma distração e uma perturbação, pois que meramente aumenta a falsa convicção de que se necessita ter e fazer coisas para ser feliz, quando na realidade é exatamente o oposto.
Mas porque falar de felicidade em absoluto? Você não pensa nela exceto quando está infeliz. Um homem que diz: “agora sou feliz”, está entre duas aflições, passado e futuro. Esta felicidade é uma mera excitação causada pelo alívio da dor. A felicidade real é absolutamente consciente de si mesma. Isto é melhor expresso negativamente como: “não há nada errado comigo; não tenho nada a preocupar-me”. No final das contas, o propósito final de todo sadhana é alcançar um ponto onde esta convicção em vez de ser apenas verbal, esteja baseada em uma experiência real e sempre presente.
P: Que experiência?
M: A experiência de estar vazio, sem estar acossado pelas recordações e pelas experiências; é como a felicidade dos espaços abertos, de ser jovem, de ter toda a energia e tempo para fazer coisas, para descobrir, para a aventura.
P: O que fica por descobrir?
M: O universo exterior e a imensidade interior tal como são na realidade, na grande mente e no coração de Deus. O significado e o propósito da existência, o segredo do sofrimento, da vida redimida da ignorância.
P: Se ser feliz é o mesmo que estar livre do temor e da preocupação, não se pode dizer que a ausência de problemas é a causa da felicidade?
M: Um estado de ausência, de inexistência, não pode ser uma causa; a preexistência de uma causa está implícita em sua noção. Seu estado natural, no qual nada existe, não pode ser uma causa do vir-a-ser; as causas estão ocultas no grande poder misterioso da memória. Mas o seu verdadeiro lar está no nada, no vazio de todo conteúdo.
P: O vazio e o nada, que apavorante!
M: Sua face está mais alegre quando você vai dormir! Descubra por você mesmo o estado de sono vigilante, e você o achará em total harmonia com sua natureza real. As palavras apenas podem lhe dar uma idéia, e a idéia não é a experiência. Tudo o que posso dizer é que a verdadeira felicidade não tem causa e o que não tem causa é impassível. O que não quer dizer que seja perceptível, como o prazer. O que é perceptível é a dor e o prazer; o estado de liberdade da aflição só pode ser descrito negativamente. Para conhecê-lo diretamente, você deve ir além da mente aplicada à causalidade e à tirania do tempo.
P: Se a felicidade não é consciente e a consciência não é feliz, qual é a conexão entre a duas?
M: A consciência, sendo um produto das condições e das circunstâncias, depende delas e muda com elas. O que é independente, incriado, eterno e imutável, e ainda assim sempre novo e fresco, está além da mente. Quando a mente pensa nele, ela se dissolve e só a felicidade permanece.
P: Quando tudo desaparece, nada fica.
M: Como pode haver nada sem alguma coisa¿ O nada é só uma idéia, depende da recordação de algo. O puro ser é independente da existência, a qual é definível e descritível.
P: Por favor, fale-nos: a consciência continua além da mente, ou ela termina com a mente?
M: A consciência vai e vem, a Consciência brilha imutavelmente.
P: O que é consciente na Consciência?
M: Quando há uma pessoa, também há consciência. O “eu sou”, a mente, a consciência denotam o mesmo estado, se você diz “eu sou consciente”, só significa: “eu sou consciente de pensar no fato de ser consciente”. Na Consciência não há “eu sou”.
P: O que me diz sobre o testemunhar?
M: Testemunhar é da mente. A testemunha combina com o testemunhado. No estado de não-dualidade toda separação cessa.
P: E você? Continua na Consciência?
M: A pessoa, o “eu sou este corpo, esta mente, esta cadeia de recordações, este punhado de desejos e temores” desaparece, mas fica algo que você pode chamar identidade. Ele me habilita a tornar-me uma pessoa quando necessário. O amor cria suas próprias necessidades, mesmo tornar-se uma pessoa.
P: É dito que a realidade se manifesta como existência, consciência e bem-aventurança. Elas são absolutas ou relativas?
M: São relativas entre si e dependem uma da outra. A realidade é independente de suas expressões.
P: Qual é a relação entre a realidade e suas expressões?
M: Nenhuma relação. Na realidade tudo é real e idêntico. Como nós dizemos, saguna e nirguna são um só um parabrahman. Só existe o supremo. Em movimento, é saguna; imóvel, é nirguna. Mas é apenas a mente que se move ou não. O real está além, você está além. Uma vez que tenha entendido que nada perceptível, ou concebível, pode ser você mesmo, você é livre de sua imaginação. Ver tudo como imaginação nascida do desejo é algo necessário para a auto-realização. Nós perdemos o real por falta de atenção, e criamos o irreal pelo excesso de imaginação.
Você deve entregar seu coração e sua mente para essas coisas e remoê-las repetidamente. É como cozinhar alimentos. Deve mantê-los no fogo durante algum tempo antes que estejam prontos.
P: Não estou sob o influxo do destino, do meu karma¿ Que posso fazer contra ele? O que sou e o que faço estão pré-determinados. Mesmo minha assim chamada “livre escolha” é pré-determinada; apenas não estou consciente disso e imagino-me livre.
M: Novamente, tudo depende de como olhar. A ignorância é como uma febre, ela o faz ver coisas que não existem. O karma é o tratamento prescrito pelo divino. Dê a ele boas vindas e siga as instruções fielmente e você se curará. O paciente deixará o hospital depois de recuperar-se. Insistir na imediata liberdade de escolha e de ação meramente adia a recuperação. Aceite seu destino e complete-o; este é o mais curto caminho para a libertar-se do destino, embora não do amor e de suas compulsões. Atuar a partir do desejo e do temor é escravidão, atuar a partir do amor é liberdade.
Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj – cap. 94 - Ed. Advaita
1 de ago. de 2009
Abandone tudo e você ganha tudo

Maharaj: Um estado de não-experimentação. Nele toda experiência está incluída.
P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e compartilhar sua experiência?
M: Não. Tais coisas requerem treinamento especial. Sou como um comerciante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Posso mesmo não conhecer o gosto de um papa de trigo. Mas sobre o grão de trigo sei tudo e o sei bem. Eu conheço a fonte de toda experiência. Mas as inumeráveis formas particulares que a experiência pode tomar eu não conheço. Nem tenho necessidade de conhecer. De momento a momento o pouco que necessito saber para viver minha vida, de algum modo, acontece que o sei.
P: Sua particular existência e minha existência particular, existem ambas na mente de Brahma?
M: O universal não é consciente do particular. A existência como uma pessoa é um assunto pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, início e fim; o universal inclui todas as pessoas e o absoluto é a raiz de tudo e está além de tudo.
P: Não estou interessado na totalidade. Minha consciência pessoal e sua consciência pessoal qual elo entre as duas?
M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores?
P: Podem sonhar um com o outro.
M: Isto é o que as pessoas estão fazendo. Todos imaginam os ‘outros’ e buscam ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro.
P: Seguramente deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos.
M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que o mundo é independente de sua mente. Como pode sê-lo. Seu desejo de conhecer a mente de outras pessoas deve-se ao desconhecimento de sua própria mente. Em primeiro lugar conheça sua própria mente e descobrirá que a questão de outras mentes não surgirá de forma alguma porque não existem outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Ser é consciência; ‘eu sou’ aplica-se a todos.
P: A realidade suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas qual a utilidade para nós.
M: Você é como um homem que diz: ‘Necessito de um lugar onde guardar minhas coisas, mas qual a utilidade do espaço para mim?’ ou ‘Preciso de leite, chá, café ou soda, mas para água não tenho nenhuma aplicação. Você não vê que a suprema realidade é a que faz tudo possível? Mas se você pergunta qual a utilidade que tem para você, devo responder: ‘Nenhuma’. Nos assuntos da vida cotidiana o conhecedor do real não tem vantagem alguma: Pode ser mesmo uma desvantagem. Estando livre de desejo e temor, não se protege. A própria idéia de proveito é estranha a ele; detesta acumulação; sua vida é constante despojar-se, compartilhar, dar.
P: Se não há nenhuma vantagem em ganhar o supremo, porque dar-se ao transtorno?
M: Há transtorno apenas quando você se apega a algo. Quando você não se apega a nada, não surge nenhum transtorno. O abandono do menor é a obtenção do maior. Abandone tudo e você ganha tudo. Então a vida se torna o que ela devia ser: pura radiação de uma fonte inesgotável. Nessa luz, o mundo aparece de modo turvo como um sonho.
P: Se meu mundo é meramente um sonho e você é uma parte dele, o que você pode fazer por mim? Se o sonho não é real, se não tem ser nenhum, como pode a realidade afetá-lo?
M: Enquanto dura o sonho tem um ser temporário. É seu desejo de apegar-se a ele que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu.
P: Você pode admitir como certo que pode haver um sonho sem um sonhador e que me identifico como o sonho de minha própria doce vontade. Mas sou sonhador e também o sonho. Quem vai deixar de sonhar?
M: Deixe que o sonho se desdobre até seu próprio fim. Você não pode concertá-lo. Mas você pode ver o sonho como um sonho, negar-lhe o selo de realidade.
P: Estou aqui, sentado diante de você. Estou sonhando e você está observando-me falar de meu sonho. Qual a ligação entre nós?
M: Minha intenção de acordá-lo é a ligação. Meu coração quer que você desperte. Vejo o sofrer em seu sonho e sei que você deve despertar para acabar com suas angustias. Quando você vê seu sonho como sonho, você desperta. Não estou interessado em seu próprio sonho. É suficiente pra mim saber que você deve despertar. Não precisa levar seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou belo: tudo que você necessita é compreender que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a aflição do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidade do espaço flutua o minúsculo átomo de consciência e nele o universo inteiro está contido.
21 de abr. de 2009
A verdade existe aqui e agora

Maharaj: Você está se aferrando à necessidade de uma prova, um testemunho, uma autoridade. Você continua imaginando que a verdade necessita ser apontada e que digam a você: “olhe, aqui está a verdade”. Não é assim. A verdade não é o resultado de um esforço, o fim de um caminho. Está aqui e agora, no próprio anseio e em sua busca. Ela está mais próxima que o corpo e que a mente, mais perto que o sentido “eu sou”. Você não a vê porque olha para muito longe de si mesmo, para fora de seu ser mais íntimo. Você objetivou a verdade e insiste em sua provas e testes esteriotipados que só se aplicam à coisas e pensamentos.
P: Tudo o que eu posso comprovar do que você diz é que a verdade está além de mim e que não estou qualificado para falar sobre ela.
M: Não só está qualificado como você é a própria verdade. Apenas você confunde o falso com o verdadeiro.
P: Você parece dizer: não peça provas da verdade. Preocupe-se apenas com o falso.
M: A descoberta da verdade está no discernimento do falso. Você pode conhecer o que não é. O que é você apenas pode ser. O conhecimento é relativo ao conhecido. De certo modo ele é a contraparte da ignorância. Onde não há ignorância, onde está a necessidade de conhecimento? Por si mesmos nem ignorância nem conhecimento têm ser. Eles são apenas estados da mente, os quais novamente são apenas uma aparência de movimento na consciência, a qual é, em sua essência, imutável.
P: A verdade está dentro do âmbito da mente ou além?
M: Em nenhum dos dois, e em ambos. Não pode ser posta em palavras.
P: Isto é o que eu ouço todo o tempo o inexpressável (anirvachaniya). Isto não me faz mais sábio.
M: É verdade que, às vezes, esconde uma pura ignorância. A mente, pode operar com termos de sua própria fabricação, não pode simplesmente ir além de si mesma. Aquilo que não é sensório nem mental, e sem o qual, mesmo assim, não podem existir nem o sensório nem o mental, não pode estar contidos neles. Entenda que a mente tem seus limites; para ir além, você deve permitir o silêncio.
P: Podemos dizer que a ação é a prova da verdade? Ela pode não ser verbalizada, mas pode ser mostrada.
M: Nem ação nem inação. Ela está além de ambas.
P: Pode um homem dizer alguma vez: “Sim, isto é verdadeiro”? Ou está limitado a negar o falso? Em outras palavras, é a verdade pura negação? Ou chega um momento em que se torna afirmação?
M: A verdade não pode ser descrita, mas pode ser experimentada.
P: A experiência é subjetiva, não pode ser compartilhada. Suas experiências me deixam onde estou.
M: A verdade pode ser experimentada, mas não é uma mera experiência. Eu a conheço e posso transmiti-la, mas apenas se você está aberto a ela. Estar aberto significa não querer nada mais.
P: Estou cheio de desejos e temores. Significa que não sou elegível para a verdade?
M: A verdade não é uma recompensa por bom comportamento nem um prêmio por passar em alguns exames. Ela não pode ser produzida. É primária, é inata, a antiga origem de tudo que é. Você é elegível porque você é. Você não precisa merecer a verdade. Ela é sua. Apenas pare de afastar-se por perseguí-la. Permaneça imóvel, esteja tranqüilo.
Eu Sou Aquilo
Conversações com Nisargadatta Maharaj
26 de dez. de 2008
O que nasce deve morrer

Maharaj: Não é permanente. O conhecedor surge e desaparece com o conhecido.
Aquele em que ambos, o conhecedor e o conhecido, surgem e desaparecem, está além do tempo. As palavras “permanente” e “eterno” não tem aplicação aqui.
P: No sono profundo não existem nem o conhecido nem o conhecedor. O que mantém o corpo sensível e receptível?
M: Não pode dizer de nenhum modo que o conhecedor estava ausente. Não havia experiência de coisas e pensamentos, isso é tudo. Mas a ausência de experiência também é uma experiência. É como entrar em uma habitação escura e dizer: “não vejo nada”. O homem cego de nascimento não sabe o que significa a escuridão. De maneira similar, só o conhecedor sabe que não sabe. O sono profundo é meramente um lapso da memória. A vida continua.
P: E o que é a morte?
M: É a mudança do processo de vida de um corpo individual. A integração acaba, e começa a desintegração.
P: E o que acontece com o conhecedor? Com o desaparecimento do corpo, desaparece o conhecedor?
M: Assim como o conhecedor do corpo aparece no nascimento, na morte ele desaparece.
P: E não resta nada?
M: Resta a vida. A consciência necessita um veículo e um instrumento para sua manifestação. Quando a vida produzir outro corpo, outro conhecedor vem a existir.
P: Há uma união causal entre os sucessivos corpos/conhecedores ou corpos/mentes?
M: Sim, existe algo que poderia ser chamado corpo da memória, ou corpo causal, um registro de tudo que se pensou, quis e se fez. É como um nuvem de idéia agrupadas
P: O que é este sentido de existência separada?
M: Um reflexo em um corpo separado da única realidade. Neste reflexo se confundem o ilimitado com o limitado, tomados como o mesmo. Desfazer esta confusão é o propósito da yoga.
P: A morte não desfaz esta confusão?
M: Na morte, só morre o corpo. A vida não morre, a consciência não morre, a realidade não morre. Inclusive, a vida nunca está tão viva como depois da morte.
P: Mas volta-se a renascer?
M: O que nasceu deve morrer. Só o que não nasceu é imortal. Encontre o que nunca dorme e nunca desperta, e cujo o pálido reflexo é nosso sentido de “eu”.
P: O que devo fazer para encontrá-lo?
M: Como você encontra alguma coisa? Pondo o coração e mente nela. Deve haver interesse e recordação constantes. Recordar o que necessita ser recordado é o segredo do êxito. Chega-se a ele mediante a seriedade
P: Quer dizer simplesmente que o desejo de descobrir é suficiente? Certamente serão necessárias qualificações e oportunidades.
M: Estas chegarão com a seriedade. O que é supremamente importante é liberar-se das contradições; a meta e o caminho não devem estar em níveis diferentes; a vida e a luz não devem opor-se, o comportamento não
deve trair as crenças. Chame-o de honestidade, integridade, totalidade; não deve ir para trás, desfazer, desenraizar, abandonar o terreno conquistado. A tenacidade de propósito e a honestidade na busca o levarão a sua meta.
Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj