Mostrando postagens com marcador Nisargadatta Maharaj. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Nisargadatta Maharaj. Mostrar todas as postagens

13 de dez. de 2011

A liberdade da auto-identificação

"Maharaj: Você pode sentar no chão? Precisa de uma almofada? Tem qualquer pergunta a fazer? Não é que você necessite perguntar, você pode também ficar quieto. Ser, só ser, é importante. Você não precisa perguntar, nem fazer nada. Tal modo aparentemente preguiçoso de passar o tempo é altamente considerado na Índia. Significa que, no momento, você está livre da obsessão do “e agora?”. Quando você não tem pressa e a mente está livre da ansiedade, ela se torna tranqüila e, no silêncio, algo pode ser ouvido, o qual é ordinariamente muito tênue e sutil para ser percebido. A mente deve estar aberta e serena para ver. O que estamos tentando fazer aqui é trazer nossas mentes para dentro do estado adequado ao entendimento do que é real.

P: Como podemos reduzir nossas preocupações?

M: Você não necessita preocupar-se com suas preocupações. Apenas seja. Não tente estar tranqüilo; não faça do “estar tranqüilo” uma tarefa a ser realizada. Não se inquiete a respeito de “estar tranqüilo”, angustiado por “ser feliz”. Simplesmente, seja consciente de que você é, e permaneça consciente – não diga “sim, eu sou; e agora?” Não há um “e agora?” no “eu sou”. É um estado eterno.

P: Se for um estado eterno, ele se expressará de qualquer modo.

M: Você é o que é, eternamente, mas de que lhe serve isto a menos que você o conheça e saiba agir de acordo? Sua tigela de mendigo pode ser de puro ouro, mas, enquanto você não souber disto, será um miserável. Você deve conhecer seu valor interno e confiar nele, e expressá-lo no diário sacrifício do desejo e do medo.

P: Se eu me conhecesse, não deveria desejar ou temer?

M: Durante algum tempo, os hábitos mentais podem demorar-se apesar da nova visão – o hábito de desejar o passado conhecido e temer o futuro desconhecido. Quando você souber que estes só pertencem à mente, poderá ir além deles. Enquanto tiver todo o tipo de idéia sobre si mesmo, conhecer-se-á através da névoa destas idéias; para conhecer-se tal com é, abandone todas as idéias. Não pode imaginar o sabor da água pura, só pode descobri-lo abandonando todos os sabores.

Enquanto estiver interessado em seu modo atual de vida, você não o abandonará. O descobrimento não poderá vir, enquanto você estiver aderido ao familiar. Só quando você compreender plenamente a imensa aflição de sua vida, e se rebelar contra ela, poderá encontrar a saída.

P: Posso ver agora que o segredo da vida eterna da Índia está nestas dimensões da existência das quais a Índia sempre teve a custódia.

M: É um segredo aberto e sempre houve pessoas querendo, e dispostas a distribuí-lo. Mestres, há muitos; discípulos corajosos, muito poucos.

P: Estou desejoso de aprender.

M: Aprender palavras não é o bastante. Você pode conhecer a teoria, mas sem a experiência real de si mesmo como o impessoal e não qualificado centro de ser, amor e bem-aventurança, o mero conhecimento verbal será estéril.

P: Então, o que faço?

M: Tente ser, apenas ser. A palavra mais importante é “tentar”. Destine tempo suficiente a cada dia para sentar-se quietamente e tentar, apenas tentar, ir além da personalidade com seus vícios e obsessões. Não pergunte como, não pode ser explicado. Siga tentando até ser bem sucedido. Se perseverar, não poderá haver fracasso. O que interessa no grau máximo é a sinceridade, a seriedade; deve estar farto de ser a pessoa que é, e ver a urgente necessidade de libertar-se desta desnecessária auto-identificação com um punhado de recordações e hábitos. Esta firme resistência contra o desnecessário é o segredo do êxito.

No final das contas, você é o que é a cada momento de sua vida, mas nunca é consciente disto, exceto, talvez, no momento de acordar do sono. Tudo quanto necessita é ser consciente do ser, não como uma afirmação verbal, mas como um fato sempre presente. A Consciência que você é abrirá os seus olhos para o que você é. É tudo muito simples. Em primeiro lugar, estabeleça um contato constante consigo mesmo, esteja consigo mesmo todo o tempo. Todas as bênçãos fluem da Consciência. Comece como um centro de observação, de conhecimento deliberado, e torne-se um centro de amor em ação. “Eu sou” é uma pequena semente que se tornará uma poderosa árvore – de forma totalmente natural, sem um traço de esforço.

P: Vejo tanto mal em mim mesmo. Não devo mudar isto?

M: O mal é a sombra da falta de atenção. Na luz da Consciência, ele secará e cairá.

Toda dependência de outro é fútil, pois o que os outros podem dar, outros levarão. Apenas o que é seu no princípio permanecerá seu ao final. Não aceite orientação exceto de dentro e, mesmo então, examine bem todas as lembranças, pois elas o enganarão. Mesmo que desconheça os caminhos e os meios, fique quieto e olhe para dentro de si mesmo; a orientação, seguramente, virá. Você nunca é deixado sem conhecer que próximo passo deverá dar. O problema é que você pode evitá-lo. O Guru está aí para dar-lhe coragem, devido à sua experiência e realização. Mas só aquilo que você descobre através de sua própria Consciência, seu próprio esforço, será de uso permanente para você.

Lembre-se, nada do que você percebe é seu. Nada de valor vem a você do exterior; apenas seu próprio sentimento e entendimento são relevantes e reveladores. Palavras ouvidas, ou lidas, apenas criarão imagens em sua mente, mas você não é uma imagem mental. Você é o poder da percepção e da ação por trás e além da imagem.

P: Parece que você me aconselha a centrar-me em mim mesmo ao ponto do egoísmo. Não devo render-me a meu interesse pelas outras pessoas?

M: Seu interesse nos outros é egoísta, em interesse próprio, orientado para si mesmo. Você não está interessado nos outros como pessoas, mas só na medida em que eles enriquecem ou enobrecem sua própria imagem de si mesmo. E o maior egoísmo é cuidar apenas da proteção, preservação e multiplicação do próprio corpo. Por corpo quero dizer tudo o que está relacionado com seu nome e forma – sua família, tribo, país, raça, etc. O egoísmo é estar apegado à forma e ao nome. Um homem que sabe que não é nem corpo nem mente não pode ser egoísta, pois não tem nada por que ser egoísta. Ou, você pode dizer que é igualmente “egoísta” em benefício de todos aqueles que encontra; o bem-estar de todos é o seu bem-estar. O sentimento “eu sou o mundo, o mundo sou eu mesmo” torna-se totalmente natural; uma vez que isto esteja estabelecido, não haverá modo de ser egoísta. Ser egoísta significa invejar, adquirir, acumular em benefício da parte e contra o todo.

P: Pode-se ser rico e com muitas posses por herança ou matrimônio, ou simplesmente boa sorte.

M: Se você não se aferrar a elas, serão levadas de você.

P: Em seu estado presente, pode amar outra pessoa como pessoa?

M: Eu sou a outra pessoa, a outra pessoa sou eu mesmo; em nome e forma somos diferentes, mas não há separação. Na raiz de nosso ser, nós somos um.

P: Não é assim toda vez que há amor entre pessoas?

M: É, mas não são conscientes disto. Elas sentem a atração, mas não conhecem a razão.

P: Por que o amor é seletivo?

M: O amor não é seletivo, o desejo é seletivo. No amor não há estranhos. Quando o centro do egoísmo não existe mais, todos os desejos de prazer e temor da dor cessam; não se está mais interessado em ser feliz; além da felicidade está a pura intensidade, a energia inesgotável, o êxtase de dar de uma fonte perene.

P: Não devo começar resolvendo por mim mesmo o problema do certo e do errado?

M: O que é agradável, as pessoas tomam por bom, e o que é doloroso é tido por mau.

P: Sim, é assim, para nós, pessoas comuns. Mas como é para você, no nível da unidade? O que é bom e o que é mau para você?

M: O que aumenta o sofrimento é mau e o que o remove é bom.

P: De modo que você não considera bom o sofrimento em si mesmo. Há religiões em que o sofrimento é considerado bom e nobre.

M: O karma, ou destino, é a expressão de uma lei benéfica; o universal tende ao equilíbrio, à harmonia e à unidade. A cada momento, aquilo que acontece agora é no sentido do melhor. Pode parecer doloroso ou feio, um sofrimento amargo e sem sentido, mesmo assim, considerando o passado e o futuro, é para melhor, a única saída de uma situação desastrosa.

P: Sofre-se apenas pelos próprios pecados?

M: Sofre-se junto com o que se acredita ser. Se você se sentir um com a humanidade, você sofrerá com ela.

P: E, posto que você pretende ser um com o universo, não há limite no tempo e no espaço para seu sofrimento!

M: Ser é sofrer. Quanto mais estreito for o círculo de minha auto-identificação, mais agudo o sofrimento causado pelo desejo e pelo medo.

P: O Cristianismo aceita o sofrimento como purificador e enobrecedor, enquanto o Hinduísmo o olha com desgosto.

M: O Cristianismo é uma maneira de juntar palavras e o Hinduísmo é outra. O real é, por trás e além das palavras, incomunicável, diretamente experimentado, explosivo em seus efeitos sobre a mente. É facilmente obtido quando não se quer nada mais. O irreal é criado pela imaginação e perpetuado pelo desejo.

P: Pode haver sofrimento que seja necessário e bom?

M: A dor acidental, ou casual, é inevitável e transitória; a dor deliberada, infligida inclusive com a melhor das intenções, é absurda e cruel.

P: Você não castigaria o crime?

M: A punição não é senão crime legalizado. Na sociedade construída sobre a prevenção em vez da retaliação, haveria poucos delitos. As poucas exceções seriam tratadas medicamente, como mente e corpo enfermos.

P: Parece que você tem pouco emprego para a religião.

M: O que é a religião? Uma nuvem no céu. Eu vivo no céu, não nas nuvens, as quais são muitas palavras unidas. Elimine a verbosidade e o que permanece? A verdade permanece. Meu lar está no imutável, o qual parece ser o estado de constante reconciliação e integração dos opostos. As pessoas vêm aqui para aprender sobre a existência real de tal estado, sobre os obstáculos a seu surgimento e, uma vez percebido, sobre a arte de estabelecê-lo na consciência, de modo que não haja choque entre o entendimento e o viver. O próprio estado está além da mente e não é necessário aprendê-lo. A mente pode apenas focar os obstáculos; ver um obstáculo como obstáculo é eficaz, porque é a ação da mente sobre a mente. Comece do início; dê atenção ao fato de que você é. Em nenhum momento você pode dizer “eu não fui”, tudo o que pode dizer é: “Não recordo”. Você sabe quão incerta é a memória. Aceite que, preocupado com mesquinhos assuntos pessoais, esqueceu o que é; trate de recuperar a memória perdida mediante a eliminação do conhecido. Não se pode falar a você sobre o que vai acontecer, nem tampouco é desejável; a antecipação criará ilusões. Na busca interior, o inesperado é inevitável; o descobrimento está invariavelmente além de toda a imaginação. Do mesmo modo que uma criança ainda não nascida não pode conhecer a vida depois do nascimento, pois não tem em sua mente nada para formar uma imagem válida, assim também a mente é incapaz de pensar no real em termos de irreal exceto mediante a negação: “Isto não, aquilo não”. A aceitação do irreal como real é o obstáculo; ver o falso como falso, e abandoná-lo, traz a realidade para dentro do ser. Os estados de total claridade, amor imenso, coragem completa, são meras palavras no momento, perfis sem cor, sinais do que pode ser. Você é como um homem cego esperando ver depois de uma operação – desde que você não a evite! No estado em que estou, as palavras não interessam de forma alguma. Nem há qualquer dependência delas. Só importam os fatos.

P: Não pode haver nenhuma religião sem palavras.

M: As religiões documentadas são meros montes de verbosidade. As religiões mostram seu verdadeiro rosto na ação, na ação silenciosa. Para saber no que o homem acredita, observe como ele age. Para a maioria das pessoas, o serviço a seus corpos e mentes é sua religião. Podem ter idéias religiosas, mas não agem de acordo com elas. Brincam com elas, muitas vezes sentem-se muito orgulhosas delas, mas não agirão de acordo com elas.

P: As palavras são necessárias para a comunicação.

M: Para a troca de informações, sim. Mas a comunicação real entre as pessoas não é verbal. Para estabelecer e manter uma relação afetuosa, requer-se uma Consciência expressa na ação direta. Não o que você diz, mas o que faz é que importa. As palavras são fabricadas pela mente e só são significativas no nível mental. Não pode comer nem viver da palavra “pão” que, meramente, comunica uma idéia. Ela adquire significado apenas com a refeição real. No mesmo sentido, estou lhe falando que o Estado Normal não é verbal. Posso dizer que é o amor sábio expresso na ação, mas estas palavras transmitem pouco, a menos que você as experimente em toda sua plenitude e beleza.

As palavras têm sua utilidade limitada, mas não pôr nenhum limite a elas nos leva à beira do desastre. Nossas nobres idéias estão elegantemente equilibradas por ações desprezíveis. Nós falamos de Deus, Verdade e Amor, mas, em lugar de experiências diretas, nós temos definições. Em vez de aumentar e aprofundar a ação, nós cinzelamos nossas definições. E imaginamos que conhecemos o que podemos definir!

P: Como se pode transmitir a experiência senão por palavras?

M: A experiência não pode ser transmitida através de palavras. Vem com a ação. Um homem cuja experiência é intensa irradiará confiança e coragem. Outros também agirão, e ganharão a experiência nascida da ação. O ensinamento verbal tem sua utilidade, prepara a mente para esvaziar-se de suas acumulações.

Um nível de maturidade mental é alcançado quando nada externo é de algum valor e o coração está pronto para abandonar tudo. Então o real tem uma oportunidade e a aproveita. Os atrasos – se houver algum – são causados pela mente que se recusa a ver ou a descartar.

P: Estamos tão totalmente sós?

M: Oh, não! Não estamos. Aqueles que têm podem dar. E tais doadores são muitos. O próprio mundo é um presente supremo, mantido por um amoroso sacrifício. Mas, os adequados receptores, sábios e humildes, são poucos. “Pedi e será dado” é a lei eterna.

Tantas palavras você tem aprendido, tantas você tem dito. Você conhece tudo, mas não a si mesmo. Porque o ser não é conhecido através de palavras – apenas a percepção direta o revelará. Olhe dentro de si mesmo, busque no interior.

P: É muito difícil abandonar as palavras. Nossa vida mental é uma corrente contínua de palavras.

M: Não é questão de fácil ou difícil. Você não tem alternativa. Ou você tenta, ou não. Depende de você.

P: Tentei muitas vezes e fracassei.

M: Tente novamente. Se continuar tentando, alguma coisa poderá acontecer. Mas se você não tentar, estará preso. Você pode conhecer todas as palavras adequadas, citar as escrituras e ser brilhante em suas discussões e, mesmo assim, continuar sendo um saco de ossos. Ou pode ser discreto e humilde, uma pessoa totalmente insignificante, todavia resplandecente de amorosa bondade e profunda sabedoria."

Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj

editoraadvaita.blogspot.com/2010/08/liberdade-da-auto-identificacao.html

14 de nov. de 2011

Nisargadatta - O Supremo, a Mente e o Corpo

Pergunta: Pelo que nos disse, parece que você não é totalmente consciente de seu ambiente. A nós, você parece extremamente desperto e ativo. Nós não podemos talvez acreditar que esteja em um tipo de estado hipnótico que não deixa vestígio de nenhuma recordação. Pelo contrário, sua memória parece excelente. Como entenderemos sua afirmação de que o mundo e tudo o que ele encerra não existe, no que toca a você?

Maharaj: É tudo uma questão de foco. A sua mente está enfocada no mundo; a minha está focada na realidade. É como a lua à luz do dia – quando o sol brilha, a lua quase não é visível. Ou observe como você se alimenta. Enquanto o alimento estiver na boca, você estará consciente dele; uma vez engolido, já não o interessará mais. Seria problemático tê-lo constantemente na mente até que fosse eliminado! A mente, normalmente, teria que estar em suspensão – a atividade incessante é um estado mórbido. O universo funciona por si mesmo – sei disto. O que mais necessito saber?

P: De modo que um gnani sabe o que está fazendo apenas quando presta atenção; de outro modo, ele simplesmente atua, sem se preocupar.

M: O homem médio não é consciente de seu corpo como tal. Ele é consciente de suas sensações, sentimentos e pensamentos. Mesmo estes, uma vez que se estabeleça o desapego, afastam-se do centro da consciência e acontecem espontaneamente e sem esforço.

P: Então, o que está no centro da consciência?

M: Isto a que não se pode dar nome e forma, já que não tem qualidades e está além da consciência. Você pode dizer que ele é um ponto na consciência, o qual está além da consciência. Como um buraco no papel, o qual está no papel e, ao mesmo tempo, não está no papel, assim o estado supremo está no próprio centro da consciência e ao mesmo tempo além dela. É como se fosse uma abertura na mente através da qual a mente seria inundada de luz. A abertura não é sequer a luz. É simplesmente uma abertura.

P: Uma abertura é simplesmente o vazio, a ausência.

M: Isso mesmo. Do ponto de vista da mente, é apenas uma abertura para que a luz da Consciência entre no espaço mental. Por si mesma, a luz só pode ser comparada a uma massa de Consciência pura que é sólida, densa, como uma rocha, homogênea e imutável, livre de padrões mentais de nome e forma.

P: Há alguma conexão entre o espaço mental e a morada suprema?

M: O supremo dá existência à mente. A mente dá existência ao corpo.

P: E o que há além?

M: Dando um exemplo. Um venerável iogue, um mestre na arte da longevidade, com mais de mil anos de idade, vem me ensinar sua arte. Eu respeito e admiro sinceramente seus êxitos e, ainda assim, tudo o que posso dizer a ele é: De que me serve a longevidade? Estou além do tempo. Por muito duradoura que seja a vida, é apenas um momento e um sonho. Do mesmo modo, estou além de todos os atributos. Eles aparecem e desaparecem em minha luz, mas não podem descrever-me. O universo é todas as formas e nomes, baseado em qualidades e diferenças, enquanto eu estou além de tudo isto. O mundo existe porque eu sou, mas eu não sou o mundo.

P: Mas você está vivendo no mundo!

M: Isso é o que você diz! Sei que existe um mundo, o qual inclui este corpo e esta mente, mas não os considero mais ‘meus’ que outras mentes e outros corpos. Eles estão aí, no tempo e no espaço, mas eu sou atemporal e ilimitado.

P: Mas, já que tudo existe por sua luz, você não seria o criador do mundo?

M: Eu não sou nem a potencialidade nem a atualização, nem a realidade das coisas. Em minha luz, elas vão e vêm como partículas de pó dançando no raio de sol. A luz ilumina as partículas, mas não depende delas. Nem se pode dizer que as criou. Nem sequer se pode dizer que as conheça.

P: Estou lhe fazendo uma pergunta e você está respondendo. Você está consciente da pergunta e da resposta?

M: Na realidade, não estou escutando nem respondendo. No mundo dos eventos, a pergunta e a resposta acontecem. Nada acontece para mim. Tudo simplesmente acontece.

P: E você é a testemunha?

M: O que a testemunha significa? Mero conhecimento. Choveu e agora a chuva acabou. Não me molhei. Sei que choveu, mas não fui afetado. Somente testemunhei a chuva.

P: O homem totalmente realizado, que mora espontaneamente no estado supremo, parece comer, beber e tudo o mais. Ele é consciente disto, ou não?

M: Isto no qual a consciência acontece, a consciência universal ou mente, nós chamamos o éter da consciência. Todos os objetos da consciência formam o universo. O que está além de ambos, apoiando-os, é o estado supremo, um estado de quietude e silêncio absolutos. Quem quer que vá ali desaparece. As palavras ou a mente não podem alcançá-lo. Você pode chamá-lo Deus, ou Parabrahman, ou Realidade Suprema, mas estes nomes são dados pela mente. É o estado sem nome, sem conteúdo, sem esforço e espontâneo, além do ser e do não ser.

P: Mas se segue sendo consciente?

M: Assim como o universo é o corpo da mente, a consciência é o corpo do supremo. Ela não é consciente, mas dá origem à consciência.

P: Em minhas ações diárias, muitas coisas ocorrem por hábito, automaticamente. Eu estou consciente do propósito geral, mas não de cada movimento em detalhe. À medida que minha consciência se amplia e aprofunda, os detalhes tendem a retirar-se, deixando-me livre para as tendências gerais. Não acontece o mesmo para um gnani, e ainda mais?

M: No nível da consciência – sim. No estado supremo, não. Este estado é inteiramente um e indivisível, um único e sólido bloco de realidade. O único modo de conhecê-lo é sê-lo. A mente não pode alcançá-lo. Para percebê-lo, não se requer o uso dos sentidos; para conhecê-lo, não é necessária a mente.

P: Assim é como Deus conduz o mundo.

M: Deus não está administrando o mundo.

P: Então, quem o faz?

M: Ninguém. Tudo ocorre por si mesmo. Você está fazendo a pergunta e dando a resposta. E você conhece a resposta quando faz a pergunta. Tudo é um jogo na consciência. Todas as divisões são ilusórias. Você só pode conhecer o falso, o verdadeiro você mesmo deve sê-lo.

P: Há a consciência testemunhada e a consciência que testemunha. É a segunda a suprema?

M: Existem as duas – a pessoa e a testemunha, o observador. Quando as vê como um, e vai além, você está no estado supremo. Ele não é perceptível, pois é o que torna possível a percepção. Está além do ser e do não ser. Não é nem o espelho nem a imagem no espelho. É o que é – a realidade atemporal, incrivelmente dura e sólida.

P: O gnani – ele é a testemunha ou o Supremo?

M: Ele é o Supremo, certamente, mas também pode ser visto como a testemunha universal.

P: Mas continua sendo uma pessoa?

M: Quando você acredita ser uma pessoa, vê pessoas em todas as partes. Na realidade não há pessoas, apenas fios de recordações e hábitos. No momento da realização, a pessoa tem um fim. A identidade permanece, mas a identidade não é uma pessoa, é inerente à própria realidade. A pessoa não tem nenhuma existência em si mesma; ela é um reflexo na mente da testemunha, o ‘Eu sou’, que novamente é um modo de ser.

P: O Supremo é consciente?

M: Nem consciente nem inconsciente. Digo-o por experiência.

P: Pragnanam Brahma.O que é Pragna?

M: É o conhecimento que não é autoconsciente da própria vida.

P: É vitalidade, energia de vida, vivacidade?

M: A energia vem em primeiro lugar. Pois tudo é uma forma de energia. A consciência está mais diferenciada no estado de vigília. Um pouco menos no sonho. Ainda menos no sono profundo. É homogênea – no quarto estado. Além, está a inexpressável realidade monolítica, a morada do gnani.

P: Cortei a mão. Já sarou. Que poder a fez sarar?

M: O poder da vida.

P: O que é esse poder?

M: É consciência. Tudo é consciente.

P: Qual é a origem da consciência?

M: A própria consciência é a origem de tudo.

P: Pode existir vida sem consciência?

M: Não, nem consciência sem vida. Ambas são uma. Mas, na realidade, só o Supremo é. O resto é questão de nomes e formas. E, enquanto se aferrar à ideia de que apenas o que tem forma e nome existe, o Supremo lhe parecerá não existente. Quando entender que os nomes e as formas são cascas vazias sem nenhum conteúdo seja qual for, e que o real não tem nome nem forma, que é pura energia de vida e luz de consciência, então estará em paz – imerso no profundo silêncio da realidade.

P: Se o tempo e o espaço forem meras ilusões e você está além, diga-me, por favor, que tempo faz em Nova Iorque. Faz calor ou está chovendo?

M: Como poderia falar para você? Tais coisas necessitam treinamento especial. Ou simplesmente viajar até Nova Iorque. Eu posso estar muito seguro de estar além do tempo e do espaço e, ao mesmo tempo, ser incapaz de localizar-me à vontade em algum ponto do tempo e do espaço. Não tenho suficiente interesse; não vejo nenhum propósito em seguir um treinamento ióguico especial. Simplesmente ouvi falar de Nova Iorque. Para mim, é uma palavra. Por que teria que conhecer mais do que encerra a palavra? Cada átomo pode ser um universo, tão complexo como o nosso. Tenho que os conhecer todos? Poderia – se treinasse.

P: Ao fazer a pergunta sobre o tempo em Nova Iorque, onde cometi o erro?

M: O mundo e a mente são estados de ser. O supremo não é um estado. Ele penetra todos os estados, mas não é um estado de outra coisa. É inteiramente sem causa, independente, completo em si mesmo, além do tempo e do espaço, da mente e da matéria.

P: Por que sinal o reconhece?

M: Esta é a questão, ele não deixa rastro. Não há como reconhecê-lo. Deve ser visto diretamente, abandonando toda a busca de sinais e aproximações. Quando forem abandonados todos os nomes e formas, o real estará com você. Não necessita buscá-lo. A pluralidade e a diversidade são apenas o jogo da mente. A realidade é uma só.

P: Se a realidade não deixasse evidência, não se poderia falar sobre ela.

M: A realidade é. Não se pode negá-la. Ela é profunda e obscura, um mistério além do mistério. Mas ela é, enquanto tudo mais meramente acontece.

P: É o Desconhecido?

M: Está além de ambos, o conhecido e o desconhecido. Mas eu o chamaria mais conhecido que desconhecido, pois, quando algo é conhecido, é o real que é conhecido.

P: O silêncio é um atributo do real?

M: Isto também é da mente. Todos os estados e condições são da mente.

P: Qual é o lugar do samadhi?

M: Não fazer uso da própria consciência é samadhi. Você simplesmente deixou a mente em paz. Você não quer nada, nem do corpo nem da mente.


Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj

15 de mai. de 2010

Você está além do espaço e do tempo

Pergunta: Você continua dizendo que eu nunca nasci e que nunca morrerei. Se é assim, como é que vejo o mundo como alguém que nasceu e que, certamente, morrerá.

Maharaj: Você acredita desse modo porque você nunca questionou sua crença de que você é o corpo, o qual, obviamente, nasce e morre. Enquanto vivo, atrai a atenção e o fascina tão completamente que raramente alguém percebe sua verdadeira natureza. É como ver a superfície do oceano e esquecer completamente a imensidade mais abaixo. O mundo é só a superfície da mente e a mente é infinita. O que chamamos pensamento são apenas ondulações da mente. Quando a mente está serena, reflete a realidade. Quando ela está imóvel em toda sua extensão, ela se dissolve e apenas a realidade permanece. Esta realidade é tão concreta, tão real, tão mais tangível que a mente e a matéria que, comparado com ela, mesmo o diamante é suave como manteiga. Esta impressionante realidade torna o mundo irreal, nebuloso, irrelevante.

P: Com tanto sofrimento no mundo, como pode vê-lo como irrelevante¿ Que frieza!

M: É você quem é insensível, não eu. Se seu mundo é tão cheio de sofrimento faça algo a respeito, não acrescente mais a ele através da ambição e da indolência. Eu não estou limitado por seu mundo ilusório. Em meu mundo, as sementes do sofrimento, do desejo e do temor não são semeadas, e o sofrimento não cresce. Meu mundo está livre dos opostos, de discrepâncias mutuamente destrutivas; prevalece a harmonia; sua paz é como uma rocha; esta paz e o silêncio são o meu corpo.

P: O que você diz lembra-me o dharmakaya de Buda.

M: Pode ser. Não precisamos afastarmos pela terminologia. Simplesmente veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo que percebe dentro de sua mente, e olhe de fora para a mente, a qual você não é. Depois de tudo, seu único problema é a ansiosa auto-identificação com qualquer coisa que perceba. Abandone este hábito, lembre que você não é o que percebe, utilize o seu poder de distanciamento alerta. Veja-se em tudo quanto vive e seu comportamento expressará sua visão. Uma vez que compreenda que não há nada neste mundo que possa ter por próprio, você olha o mundo de fora como olha para uma peça em um palco, ou uma imagem na tela, admirando e apreciando, mas realmente impassível. Enquanto você imagina ser algo tangível e sólido, uma coisa entre coisas, existindo realmente no tempo e no espaço, de breve duração e vulnerável, naturalmente estará ansioso para sobreviver e crescer. Mas quando se conhece como além do tempo e do espaço em contato com eles apenas no ponto do aqui e agora; de qualquer forma todo-penetrante e todo-abarcante, inacessível, inalcançável, invulnerável não terá mais medo algum. Conheça-se tal como é contra o medo não há outro remédio.
Você tem que aprender a pensar e sentir desse modo, ou permanecerá indefinidamente no nível pessoal do desejo e do temor, ganhando e perdendo, crescendo e decaindo. Um problema pessoal não pode ser resolvido em seu próprio nível. O próprio desejo de viver é o mensageiro da morte, da mesma forma que o desejo de ser feliz é a essência da aflição. O mundo é um oceano de dor e de medo, de ansiedade e desespero. Os prazeres são como os peixes, poucos e ligeiros, chegam raramente e depressa se vão. Um homem de pouca inteligência acredita contra a evidência, que é uma exceção e que o mundo lhe deve felicidade. Mas o mundo não pode dar o que não tem; irreal até a medula, é de nenhuma utilidade para a felicidade real. Não pode ser de outra forma. Buscamos o real porque estamos infelizes como o irreal. A felicidade é nossa própria natureza e não descansaremos até que a encontremos. Mas raramente sabemos onde buscá-la. Uma vez que tenha entendido que o mundo é apenas uma visão errada da realidade, e não é o que parece ser, você é livre de suas obsessões. Apenas o que é compatível com seu ser real pode fazê-lo feliz e o mundo, como você o percebe, é sua clara negação.
Mantenha-se tranqüilo e observe o que chega à superfície da mente. Rejeite o conhecido, dê as boas vindas ao até agora desconhecido e rejeite-o em seu devido tempo. Assim você chega a um estado em que não há conhecimento, apenas ser, e o próprio ser é o conhecimento. O conhecimento mediante o ser é o conhecimento direto. Está baseado na identidade do que vê e do visto. O conhecimento indireto é baseado na sensação e na memória, na proximidade do que percebe e sua percepção, confinado ao contraste entre os dois. O mesmo acontece com a felicidade. Geralmente você deve estar triste para conhecer a alegria, e alegre para conhecer a tristeza. A verdadeira felicidade não tem causa e não pode desaparecer por falta de estimulação. Não é o oposto da aflição e inclui toda aflição e todo sofrimento.

P: Como pode alguém permanecer feliz entre tanto sofrimento?

M: Não se pode evitar, a felicidade é irresistivelmente real. Como o sol no céu, suas expressões pode estar nubladas, mas nunca está ausente.

P: Quando temos problema, somos obrigados a sentir-nos desgraçados.

M: O único problema é o temor. Saiba que é independente e permanecerá livre do temor e de suas sombras.

P: Qual a diferença entre felicidade e prazer?

M: O prazer depende das coisas, a felicidade não.

P: Se a felicidade é independente, porque não estamos sempre felizes?

M: Enquanto acreditarmos que necessitamos coisas para fazer-nos felizes, também devemos acreditar que, na ausência delas, delas devemos ser miseráveis. A mente sempre se desenvolve de acordo com suas crenças. Daí a importância de convencer-se de que não é necessário ser incitado para a felicidade; que, ao contrário, o prazer é uma distração e uma perturbação, pois que meramente aumenta a falsa convicção de que se necessita ter e fazer coisas para ser feliz, quando na realidade é exatamente o oposto.
Mas porque falar de felicidade em absoluto? Você não pensa nela exceto quando está infeliz. Um homem que diz: “agora sou feliz”, está entre duas aflições, passado e futuro. Esta felicidade é uma mera excitação causada pelo alívio da dor. A felicidade real é absolutamente consciente de si mesma. Isto é melhor expresso negativamente como: “não há nada errado comigo; não tenho nada a preocupar-me”. No final das contas, o propósito final de todo sadhana é alcançar um ponto onde esta convicção em vez de ser apenas verbal, esteja baseada em uma experiência real e sempre presente.

P: Que experiência?

M: A experiência de estar vazio, sem estar acossado pelas recordações e pelas experiências; é como a felicidade dos espaços abertos, de ser jovem, de ter toda a energia e tempo para fazer coisas, para descobrir, para a aventura.

P: O que fica por descobrir?

M: O universo exterior e a imensidade interior tal como são na realidade, na grande mente e no coração de Deus. O significado e o propósito da existência, o segredo do sofrimento, da vida redimida da ignorância.

P: Se ser feliz é o mesmo que estar livre do temor e da preocupação, não se pode dizer que a ausência de problemas é a causa da felicidade?

M: Um estado de ausência, de inexistência, não pode ser uma causa; a preexistência de uma causa está implícita em sua noção. Seu estado natural, no qual nada existe, não pode ser uma causa do vir-a-ser; as causas estão ocultas no grande poder misterioso da memória. Mas o seu verdadeiro lar está no nada, no vazio de todo conteúdo.

P: O vazio e o nada, que apavorante!

M: Sua face está mais alegre quando você vai dormir! Descubra por você mesmo o estado de sono vigilante, e você o achará em total harmonia com sua natureza real. As palavras apenas podem lhe dar uma idéia, e a idéia não é a experiência. Tudo o que posso dizer é que a verdadeira felicidade não tem causa e o que não tem causa é impassível. O que não quer dizer que seja perceptível, como o prazer. O que é perceptível é a dor e o prazer; o estado de liberdade da aflição só pode ser descrito negativamente. Para conhecê-lo diretamente, você deve ir além da mente aplicada à causalidade e à tirania do tempo.

P: Se a felicidade não é consciente e a consciência não é feliz, qual é a conexão entre a duas?

M: A consciência, sendo um produto das condições e das circunstâncias, depende delas e muda com elas. O que é independente, incriado, eterno e imutável, e ainda assim sempre novo e fresco, está além da mente. Quando a mente pensa nele, ela se dissolve e só a felicidade permanece.

P: Quando tudo desaparece, nada fica.

M: Como pode haver nada sem alguma coisa¿ O nada é só uma idéia, depende da recordação de algo. O puro ser é independente da existência, a qual é definível e descritível.

P: Por favor, fale-nos: a consciência continua além da mente, ou ela termina com a mente?

M: A consciência vai e vem, a Consciência brilha imutavelmente.

P: O que é consciente na Consciência?

M: Quando há uma pessoa, também há consciência. O “eu sou”, a mente, a consciência denotam o mesmo estado, se você diz “eu sou consciente”, só significa: “eu sou consciente de pensar no fato de ser consciente”. Na Consciência não há “eu sou”.

P: O que me diz sobre o testemunhar?

M: Testemunhar é da mente. A testemunha combina com o testemunhado. No estado de não-dualidade toda separação cessa.

P: E você? Continua na Consciência?

M: A pessoa, o “eu sou este corpo, esta mente, esta cadeia de recordações, este punhado de desejos e temores” desaparece, mas fica algo que você pode chamar identidade. Ele me habilita a tornar-me uma pessoa quando necessário. O amor cria suas próprias necessidades, mesmo tornar-se uma pessoa.

P: É dito que a realidade se manifesta como existência, consciência e bem-aventurança. Elas são absolutas ou relativas?

M: São relativas entre si e dependem uma da outra. A realidade é independente de suas expressões.

P: Qual é a relação entre a realidade e suas expressões?

M: Nenhuma relação. Na realidade tudo é real e idêntico. Como nós dizemos, saguna e nirguna são um só um parabrahman. Só existe o supremo. Em movimento, é saguna; imóvel, é nirguna. Mas é apenas a mente que se move ou não. O real está além, você está além. Uma vez que tenha entendido que nada perceptível, ou concebível, pode ser você mesmo, você é livre de sua imaginação. Ver tudo como imaginação nascida do desejo é algo necessário para a auto-realização. Nós perdemos o real por falta de atenção, e criamos o irreal pelo excesso de imaginação.
Você deve entregar seu coração e sua mente para essas coisas e remoê-las repetidamente. É como cozinhar alimentos. Deve mantê-los no fogo durante algum tempo antes que estejam prontos.

P: Não estou sob o influxo do destino, do meu karma¿ Que posso fazer contra ele? O que sou e o que faço estão pré-determinados. Mesmo minha assim chamada “livre escolha” é pré-determinada; apenas não estou consciente disso e imagino-me livre.

M: Novamente, tudo depende de como olhar. A ignorância é como uma febre, ela o faz ver coisas que não existem. O karma é o tratamento prescrito pelo divino. Dê a ele boas vindas e siga as instruções fielmente e você se curará. O paciente deixará o hospital depois de recuperar-se. Insistir na imediata liberdade de escolha e de ação meramente adia a recuperação. Aceite seu destino e complete-o; este é o mais curto caminho para a libertar-se do destino, embora não do amor e de suas compulsões. Atuar a partir do desejo e do temor é escravidão, atuar a partir do amor é liberdade.


Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj – cap. 94 - Ed. Advaita

1 de ago. de 2009

Abandone tudo e você ganha tudo

Pergunta: Qual é seu estado no momento presente?

Maharaj: Um estado de não-experimentação. Nele toda experiência está incluída.

P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e compartilhar sua experiência?

M: Não. Tais coisas requerem treinamento especial. Sou como um comerciante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Posso mesmo não conhecer o gosto de um papa de trigo. Mas sobre o grão de trigo sei tudo e o sei bem. Eu conheço a fonte de toda experiência. Mas as inumeráveis formas particulares que a experiência pode tomar eu não conheço. Nem tenho necessidade de conhecer. De momento a momento o pouco que necessito saber para viver minha vida, de algum modo, acontece que o sei.

P: Sua particular existência e minha existência particular, existem ambas na mente de Brahma?

M: O universal não é consciente do particular. A existência como uma pessoa é um assunto pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, início e fim; o universal inclui todas as pessoas e o absoluto é a raiz de tudo e está além de tudo.

P: Não estou interessado na totalidade. Minha consciência pessoal e sua consciência pessoal qual elo entre as duas?

M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores?

P: Podem sonhar um com o outro.

M: Isto é o que as pessoas estão fazendo. Todos imaginam os ‘outros’ e buscam ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro.

P: Seguramente deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos.

M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que o mundo é independente de sua mente. Como pode sê-lo. Seu desejo de conhecer a mente de outras pessoas deve-se ao desconhecimento de sua própria mente. Em primeiro lugar conheça sua própria mente e descobrirá que a questão de outras mentes não surgirá de forma alguma porque não existem outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Ser é consciência; ‘eu sou’ aplica-se a todos.

P: A realidade suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas qual a utilidade para nós.

M: Você é como um homem que diz: ‘Necessito de um lugar onde guardar minhas coisas, mas qual a utilidade do espaço para mim?’ ou ‘Preciso de leite, chá, café ou soda, mas para água não tenho nenhuma aplicação. Você não vê que a suprema realidade é a que faz tudo possível? Mas se você pergunta qual a utilidade que tem para você, devo responder: ‘Nenhuma’. Nos assuntos da vida cotidiana o conhecedor do real não tem vantagem alguma: Pode ser mesmo uma desvantagem. Estando livre de desejo e temor, não se protege. A própria idéia de proveito é estranha a ele; detesta acumulação; sua vida é constante despojar-se, compartilhar, dar.

P: Se não há nenhuma vantagem em ganhar o supremo, porque dar-se ao transtorno?

M: Há transtorno apenas quando você se apega a algo. Quando você não se apega a nada, não surge nenhum transtorno. O abandono do menor é a obtenção do maior. Abandone tudo e você ganha tudo. Então a vida se torna o que ela devia ser: pura radiação de uma fonte inesgotável. Nessa luz, o mundo aparece de modo turvo como um sonho.

P: Se meu mundo é meramente um sonho e você é uma parte dele, o que você pode fazer por mim? Se o sonho não é real, se não tem ser nenhum, como pode a realidade afetá-lo?

M: Enquanto dura o sonho tem um ser temporário. É seu desejo de apegar-se a ele que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu.

P: Você pode admitir como certo que pode haver um sonho sem um sonhador e que me identifico como o sonho de minha própria doce vontade. Mas sou sonhador e também o sonho. Quem vai deixar de sonhar?

M:
Deixe que o sonho se desdobre até seu próprio fim. Você não pode concertá-lo. Mas você pode ver o sonho como um sonho, negar-lhe o selo de realidade.

P: Estou aqui, sentado diante de você. Estou sonhando e você está observando-me falar de meu sonho. Qual a ligação entre nós?

M: Minha intenção de acordá-lo é a ligação. Meu coração quer que você desperte. Vejo o sofrer em seu sonho e sei que você deve despertar para acabar com suas angustias. Quando você vê seu sonho como sonho, você desperta. Não estou interessado em seu próprio sonho. É suficiente pra mim saber que você deve despertar. Não precisa levar seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou belo: tudo que você necessita é compreender que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a aflição do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidade do espaço flutua o minúsculo átomo de consciência e nele o universo inteiro está contido.

Eu Sou Aquilo - Conversações com Nisargadatta Maharaj

21 de abr. de 2009

A verdade existe aqui e agora

Pergunta: Senhor, se você dissesse: nada é verdadeiro, tudo é relativo, eu concordaria com você. Mas você afirma que há uma verdade, uma realidade, o conhecimento perfeito, portanto pergunto: o que é isto e como você o conhece? O que me fará dizer: sim, o Maharaj está certo?

Maharaj: Você está se aferrando à necessidade de uma prova, um testemunho, uma autoridade. Você continua imaginando que a verdade necessita ser apontada e que digam a você: “olhe, aqui está a verdade”. Não é assim. A verdade não é o resultado de um esforço, o fim de um caminho. Está aqui e agora, no próprio anseio e em sua busca. Ela está mais próxima que o corpo e que a mente, mais perto que o sentido “eu sou”. Você não a vê porque olha para muito longe de si mesmo, para fora de seu ser mais íntimo. Você objetivou a verdade e insiste em sua provas e testes esteriotipados que só se aplicam à coisas e pensamentos.

P: Tudo o que eu posso comprovar do que você diz é que a verdade está além de mim e que não estou qualificado para falar sobre ela.

M: Não só está qualificado como você é a própria verdade. Apenas você confunde o falso com o verdadeiro.

P: Você parece dizer: não peça provas da verdade. Preocupe-se apenas com o falso.

M: A descoberta da verdade está no discernimento do falso. Você pode conhecer o que não é. O que é você apenas pode ser. O conhecimento é relativo ao conhecido. De certo modo ele é a contraparte da ignorância. Onde não há ignorância, onde está a necessidade de conhecimento? Por si mesmos nem ignorância nem conhecimento têm ser. Eles são apenas estados da mente, os quais novamente são apenas uma aparência de movimento na consciência, a qual é, em sua essência, imutável.

P: A verdade está dentro do âmbito da mente ou além?

M: Em nenhum dos dois, e em ambos. Não pode ser posta em palavras.

P: Isto é o que eu ouço todo o tempo o inexpressável (anirvachaniya). Isto não me faz mais sábio.

M: É verdade que, às vezes, esconde uma pura ignorância. A mente, pode operar com termos de sua própria fabricação, não pode simplesmente ir além de si mesma. Aquilo que não é sensório nem mental, e sem o qual, mesmo assim, não podem existir nem o sensório nem o mental, não pode estar contidos neles. Entenda que a mente tem seus limites; para ir além, você deve permitir o silêncio.

P: Podemos dizer que a ação é a prova da verdade? Ela pode não ser verbalizada, mas pode ser mostrada.

M: Nem ação nem inação. Ela está além de ambas.

P: Pode um homem dizer alguma vez: “Sim, isto é verdadeiro”? Ou está limitado a negar o falso? Em outras palavras, é a verdade pura negação? Ou chega um momento em que se torna afirmação?

M: A verdade não pode ser descrita, mas pode ser experimentada.

P: A experiência é subjetiva, não pode ser compartilhada. Suas experiências me deixam onde estou.

M: A verdade pode ser experimentada, mas não é uma mera experiência. Eu a conheço e posso transmiti-la, mas apenas se você está aberto a ela. Estar aberto significa não querer nada mais.

P: Estou cheio de desejos e temores. Significa que não sou elegível para a verdade?

M: A verdade não é uma recompensa por bom comportamento nem um prêmio por passar em alguns exames. Ela não pode ser produzida. É primária, é inata, a antiga origem de tudo que é. Você é elegível porque você é. Você não precisa merecer a verdade. Ela é sua. Apenas pare de afastar-se por perseguí-la. Permaneça imóvel, esteja tranqüilo.

Eu Sou Aquilo
Conversações com Nisargadatta Maharaj



26 de dez. de 2008

Nisargadatta Maharaj

Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj

O que nasce deve morrer

Pergunta: É permanente a consciência que testemunha?
Maharaj: Não é permanente. O conhecedor surge e desaparece com o conhecido.
Aquele em que ambos, o conhecedor e o conhecido, surgem e desaparecem, está além do tempo. As palavras “permanente” e “eterno” não tem aplicação aqui.

P: No sono profundo não existem nem o conhecido nem o conhecedor. O que mantém o corpo sensível e receptível?
M: Não pode dizer de nenhum modo que o conhecedor estava ausente. Não havia experiência de coisas e pensamentos, isso é tudo. Mas a ausência de experiência também é uma experiência. É como entrar em uma habitação escura e dizer: “não vejo nada”. O homem cego de nascimento não sabe o que significa a escuridão. De maneira similar, só o conhecedor sabe que não sabe. O sono profundo é meramente um lapso da memória. A vida continua.

P: E o que é a morte?
M: É a mudança do processo de vida de um corpo individual. A integração acaba, e começa a desintegração.

P: E o que acontece com o conhecedor? Com o desaparecimento do corpo, desaparece o conhecedor?
M: Assim como o conhecedor do corpo aparece no nascimento, na morte ele desaparece.

P: E não resta nada?
M: Resta a vida. A consciência necessita um veículo e um instrumento para sua manifestação. Quando a vida produzir outro corpo, outro conhecedor vem a existir.

P: Há uma união causal entre os sucessivos corpos/conhecedores ou corpos/mentes?
M: Sim, existe algo que poderia ser chamado corpo da memória, ou corpo causal, um registro de tudo que se pensou, quis e se fez. É como um nuvem de idéia agrupadas

P: O que é este sentido de existência separada?
M: Um reflexo em um corpo separado da única realidade. Neste reflexo se confundem o ilimitado com o limitado, tomados como o mesmo. Desfazer esta confusão é o propósito da yoga.

P: A morte não desfaz esta confusão?
M: Na morte, só morre o corpo. A vida não morre, a consciência não morre, a realidade não morre. Inclusive, a vida nunca está tão viva como depois da morte.

P: Mas volta-se a renascer?
M: O que nasceu deve morrer. Só o que não nasceu é imortal. Encontre o que nunca dorme e nunca desperta, e cujo o pálido reflexo é nosso sentido de “eu”.

P: O que devo fazer para encontrá-lo?
M: Como você encontra alguma coisa? Pondo o coração e mente nela. Deve haver interesse e recordação constantes. Recordar o que necessita ser recordado é o segredo do êxito. Chega-se a ele mediante a seriedade

P: Quer dizer simplesmente que o desejo de descobrir é suficiente? Certamente serão necessárias qualificações e oportunidades.
M: Estas chegarão com a seriedade. O que é supremamente importante é liberar-se das contradições; a meta e o caminho não devem estar em níveis diferentes; a vida e a luz não devem opor-se, o comportamento não
deve trair as crenças. Chame-o de honestidade, integridade, totalidade; não deve ir para trás, desfazer, desenraizar, abandonar o terreno conquistado. A tenacidade de propósito e a honestidade na busca o levarão a sua meta.

Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj